quarta-feira, 30 de junho de 2021

Como apreendemos o passado?

Como apreendemos então o passado? Fica mais nítido à medida que regride? Alguns pensam que sim. Sabemos mais, descobrimos mais documentos, usamos raios infravermelhos para compreender o que está rasurado na correspondência, e libertamo-nos de preconceitos contemporâneos; compreendemos melhor. Será assim?

BARNES, Julian, O papagaio de Flaubert, Lisboa, Quetzal, 2019, p.127

sábado, 26 de junho de 2021

Filosofia de vida

A vida pode ser como a viagem a  que

nos agarramos, muitas vezes sem saber o que estamos

a fazer. Tudo corre muito depressa, e as coisas

passam sem que as vejamos; de outras vezes, porém, é lento

o andar, e podemos saborear o que acontece. Nos intervalos,

há pausas em que nos perguntamos porque foi assim

que vivemos: é então que duvidamos, que descobrimos

que há momentos em que talvez devêssemos ter

ido por outro lado, ou seguido o impulso que foi contrariado

e nos fez voltar atrás no instante decisivo. A vida, porém,

é aquilo que nos foi dado para tomar estas e aquelas decisões,

e para recusar o que queríamos ou aceitar o que

não queríamos. Porém, é melhor

que a vida seja o dia de hoje, e de preferência o de amanhã,

para que o passado não nos impeça de andar. Assim,

vejo vir ao meu encontro a mais bela das primaveras,

e ouço a música dos passos que transforma em presença

o que hoje me falta. E é como se a viagem tivesse encontrado

outro rumo nessa pausa em que nos encontrámos

e o tempo se contou num bater de pálpebras.

 

JÚDICE, Nuno, Regresso a um cenário campestre, Lisboa, D. Quixote, 2020, p. 37.

sexta-feira, 18 de junho de 2021

A bola não pertence a ninguém

A bola é o gozo que circula velozmente pelo campo, sem compromisso e sem dono: está lá e oferece-se, ao mesmo tempo que se recusa. É ela o objectivo perseguido, mas sempre esquivo e em fuga, que triunfará sobre os homens que ludibriou: no fim do jogo como no princípio, não pertence a ninguém.

GERSÃO, Teolinda, Prantos, amores e outros desvarios, Lisboa, Porto Editora, 2016, p. 53.

Estação ferroviária de Portimão










Cidade servida da linha férrea desde 1922

domingo, 13 de junho de 2021

O amor alimenta o coração

Se os alimentos constroem o corpo, o amor alimenta o coração. Agora e sempre, o amor tem o poder imenso de nos reerguer em qualquer momento. Quando praticado com a intenção de criarmos bem-estar na nossa vida, é um dos alimentos mais poderosos que podem nutrir o nosso interior. Não há alimento emocional mais poderoso do que o amor. O amor cura tudo, regenera e alimenta. Quando vivemos por ele, com a intenção diária de o alimentar, tudo o que vivemos é sentido de uma outra forma. Nem sempre conseguimos responder e cuidar com amor mas se iniciarmos o dia com esta intenção, tudo se torna mais fácil de digerir, processar e escolher. E a fonte do amor é a gratidão, e vice-versa. Quando nos alimentamos de um, alimentamo-nos do outro.

GASPAR, Diana, E depois da Covid-19, Queluz de Baixo, Manuscrito, 2020, p 135.

 

sexta-feira, 11 de junho de 2021

As mãos sustêm a alma

Foi Pascal quem escreveu que “as mãos sustêm a alma”. Hoje precisamos de mãos – mãos religiosas e laicas – que sustenham a alma do mundo. E que mostrem que a redescoberta do poder da esperança é a primeira oração global do seculo XXI. 

MENDONÇA, José Tolentino, O que é amar um país, Lisboa, Quetzal, 2020, p 53


quinta-feira, 10 de junho de 2021

O português

O português, pela segurança das obras e dos planos de engenharia social com que tem sabido construir novas sociedades e novas culturas nos trópicos, é hoje, por mais de um aspecto da sua organização, exemplo de povo bem ordenado, quando chegou a rivalizar com as mais turbulentas repúblicas da América latina em desordem e instabilidade (….) Devemos crescer juntos, todos os luso-tropicais: juntos uns dos outros e próximos das fontes, não sei se diga europeias, da nossa cultura, que são principalmente as portuguesas. E quem diz cultura portuguesa diz uma cultura que nunca se contentou em ser apenas europeia, tendo como que nascido com a vocação de ser mais tropical que europeia: de harmonizar a Europa com os trópicos, sem imperialismo nem violência. 

IN HESPANHA, António Manuel, Filhos da terra – Identidades mestiças nos confins da expansão portuguesa, Lisboa, Tinta da China, 2019, p108.

 

 

Era uma vez um país

Era uma vez um país
na ponta do fim do mundo
onde o mar não tinha eco
onde o céu não tinha fundo.
Onde longe longe longe
mais longe que a ventania
mais longe que a flor a sombra
ou a flor da maresia
em sete lagos de pedra
sete castelos de nuvens
em sete cristais de gelo
uma princesa vivia.


SANTOS, Ary dos, Vinte anos de poesia, Lisboa, Círculo de Leitores, 1984, p. 27.

sexta-feira, 4 de junho de 2021

A raíz da civilização é a comunidade

A raiz da civilização é a comunidade. Foi na comunidade que a nossa história começou. Quando do “eu” fomos capazes de passar ao “nós” e lhe demos uma determinada configuração histórica, espiritual e ética.  

 MENDONÇA, José Tolentino, O que é amar um país, Lisboa, Quetzal, 2020, p. 20

quinta-feira, 3 de junho de 2021

Partida para o comboio

 Tranca a porta do teu quarto à chave

podem querer roubar-te o coração de carne.

O outro, esconde-o na gaveta para falares com Deus.

Tu, tal como eu, filha minha

pequenina.


JORGE, Lídia, O Livro das tréguas, Lisboa, D. Quixote, 2019, p. 33.