Era uma vez um espantalho que vivia na horta do senhor Sebastião, para a guardar dos pássaros que lhe comiam as coisas. Mas o espantalho andava muito triste porque os passarinhos de quem ele tanto gostava, fugiam dele. Um dia passou por aqueles lados, um esquilo chamado Kiko. Subiu por ele acima e foi sentar-se no chapéu do espantalho. - Porque estás tão triste, ó espantalho? – perguntou Kiko. - Porque eu gostava que os passarinhos viessem para a minha beira, e todos fogem daqui. - E sabes porquê? - perguntou Kiko. - Sei lá! - respondeu o espantalho. - É que tu estás tão mal vestido, todo roto, o chapéu a cair aos bocados, que até metes medo. - disse Kiko. - Achas? - perguntou o espantalho. - Tenho a certeza. - disse Kiko. - E que hei-de fazer? - perguntou o espantalho. - Eu vou-te ajudar. Kiko saltou para o chão, e aos saltinhos saiu da horta, subiu a uma árvore, dali saltou para outra árvore e ainda outra até que se perdeu de vista. Voltou no dia seguinte já pela tardinha, acompanhado de mais esquilos seus amigos. Uns traziam tecidos muito bonitos, outros botões, outros linhas e agulhas, saltaram para cima do espantalho e começaram a arranjá-lo. Enquanto uns remendavam as calças e o casaco, outros pregavam botões e outros alindavam o chapéu com umas flores. Kiko pintou-lhe os olhos, nas bochechas deu-lhe um tom rosado e na boca colocou-lhe um sorriso. Encheram-lhe as mãos de milho, e rindo de satisfação os esquilos foram-se embora. O espantalho estava lindo de morrer.
Não foi preciso muito tempo para que a passarada viesse visitar o espantalho, que muito feliz, ouvia o chilrear daquela bicharada, comer o milho das suas mãos, e todos gabavam a beleza da sua roupa. Nem queria acreditar que os passarinhos agora em vez de fugirem dele,passavam a visitá-lo todos os dias, e quando o milho das suas mãos acabava não iam embora sem antes experimentar as delícias da horta do Sebastião. Um dia andava Sebastião a enxotar os pássaros da horta quando reparou no espantalho. Tirou o chapéu, coçou a cabeça e chamou: - Ó Maria anda cá ver isto. O diabo do espantalho está como novo, e não mete medo à passarada, em vez de espantar, até parece estar a chamar os pássaros. Tu alindaste o espantalho? A senhora Maria saiu de casa a limpar as mãos ao avental, e respondeu: - Ó homem tu tens cá cada uma, eu lá tenho tempo para essas coisas? Quando chegou à beira do Sebastião a Maria também ficou espantada com o que viu. -Tens razão, o diabo do espantalho, está mesmo lindo. Quem teria arranjado o espantalho? - disse a Maria - Se calhar foi alguém que nos quer mal, e arranjou o espantalho para os pássaros virem comer as coisas da horta. Mas isto não fica assim. –disse o Sebastião muito zangado. - E o que vais fazer? - Vou esconder-me atrás daquela árvore, para ver se descubro quem fez esta maroteira. Sebastião escondeu-se e esperou uma hora, duas horas, três horas...quando estava quase a adormecer viu chegar um esquilo que subiu pelo espantalho acima e foi-se sentar no chapéu. Sebastião até era capaz de jurar que ouviu os dois a conversar e a rir. Quando tentou, pé ante pé chegar à beira do espantalho, o esquilo fugiu e o espantalho pôs-se muito sério como se nada fosse. O tempo foi passando e sempre que Sebastião punha o espantalho com aspecto de meter medo aos pássaros, no dia seguinte o espantalho estava outra vez todo arranjadinho. Isto andava a irritar o Sebastião porque não sabia quem é que mexia no seu espantalho. Um dia disse à Maria: - Já sei o que vou fazer. - disse muito decidido - O que estás para aí a dizer? - Vou deitar o espantalho fora, e pôr outro no seu lugar, tão feio, tão feio, que faça fugir a passarada toda. E dito isto, pegou no espantalho e foi deitá-lo na lixeira à porta da quinta. O espantalho, todo amarrotado, todo descomposto, com o chapéu torcido, o casaco todo sujo, misturado com o lixo, começou a chorar. Chorou tanto, tanto, que as lágrimas chegaram até à árvore aonde vivia o esquilo Kiko. Este ao ver tanta água resolveu descobrir donde vinha. Viu que se tratava das lágrimas do espantalho e foi até junto dele. - Então amigo, o malvado do Sebastião deitou-te fora? - É verdade, o ingrato. Logo eu que dava tanta beleza e alegria à horta, não merecia esta sorte. - Pois, mas tu tinhas que espantar os passarinhos e em vez disso, cada vez eram mais. - E o que tu querias que eu fizesse, eles gostam de mim e eu deles. -disse o espantalho - Penso que tenho a solução. -disse Kiko. - O que é que vais fazer? - perguntou o espantalho. - Espera que eu volto já. - disse Kiko. Kiko foi chamar os outros esquilos seus amigos, que a muito custo ajudaram a tirar o espantalho da lixeira, arranjaram-no muito arranjadinho e foram colocá-lo num campo onde havia girassóis, e até lhe puseram as mãos cheias de milho, outra vez. No dia seguinte os passarinhos foram visitar o espantalho que ficou muito feliz por ver que não se esqueceram dele. Conversaram muito e depois de comerem o milho, foram para a horta do Sebastião para acabar a refeição. Todos os dias esta cena se repetia. Sebastião andava muito intrigado porque todos os dias faltava milho no celeiro onde o guardava para todo o ano e porque a passarada que costumava passar o dia todo a rondar a sua horta, agora só apareciam ao fim da tarde e por vezes nem apareciam. Mais uma vez tinha que descobrir este mistério. Pôs-se à coca, quando reparou que um esquilo entrou no celeiro e encheu um saco com milho. Deixou-o sair e foi atrás dele para ver para onde ele ia. Espanto seu, quando viu o seu antigo espantalho no campo de girassóis, rodeado da passarada a comer do seu milho. A alegria era enorme e até fez chorar de emoção o senhor Sebastião. Sebastião foi contar à mulher o que viu, e ela não queria acreditar sem ver com os seus próprios olhos. Não era possível ficar indiferente perante tal acontecimento. Sebastião, daquele dia em diante passou a levar, de manhã cedo, milho ao espantalho para este dar aos passarinhos, bem como coisas da sua horta, legumes tenrinhos ou fruta fresquinha. O espantalho ficou muito agradecido e os passarinhos também. Passavam o dia na companhia do espantalho e deixaram de ir à horta do Sebastião. Sebastião aprendeu uma grande lição. Afinal todos precisamos de viver e deixar viver.
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