sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Adultério, segundo Eça e Ortigão

Não compreendo que caia em tal erro uma pessoa limpa. O adultério é uma indecência e uma porcaria. Matar um homem em tais circunstâncias, é mais do que faltar ferozmente ao respeito devido à inviolabilidade da vida humana; é faltar igualmente ao respeito da morte... É atirar um cadáver a um cano do esgoto... É trágico - e coisa mais horrível - é sujo.

QUEIRÓS, Eça de, ORTIGÃO, Ramalho, O Mistério da estrada de Sintra, Lisboa, Biblioteca de Editores Independentes, 2010, p. 212.

terça-feira, 11 de setembro de 2018

Sentimento de culpabilidade


- Não te zangues. Estou de muito mau humor. Preciso de desabafar.
- Calha bem. Eu também estou de mau humor. Mas tu, porquê?
- Porque estou zangado comigo. Porque é que aproveito todas as ocasiões para me sentir culpado?
 - Isso não é grave.
- Sentirmo-nos culpados ou não. penso que tudo se resume a isto. A vida é uma luta de todos contra todos. É sabido. Mas como se desenrola essa luta numa sociedade mais ou menos civilizada? As pessoas não podem atirar-se umas contra as outras assim que se veem. Em vez disso, tentam lançar sobre o outro o opróbrio da culpabilidade. Ganhará aquele que conseguir tornar o outro culpado. Perderá quem confessar o seu erro. (...)
 - Ah, coitado de ti, pertences por conseguinte, também tu ao exército dos desculpadores. Pensas poder lisonjear o outro através das tuas desculpas.
- Exactamente.
- E enganas-te. Quem se desculpa declara-se culpado. E se tu te declaras culpado, encorajas o outro a continuar a injuriar-te, a denunciar-te publicamente, até à tua morte. São essas as consequências fatais da primeira desculpa.

KUNDERA, Milan, A Festa da Insignificância, Alfragide, D. Quixote, 2014, pp. 61-62.

quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Quando há obras na cidade


O centro de Lagoa era um caos há um ano atrás... A confusão de obras em ano de autárquicas para embelezar uma cidade repete-se um pouco por todo o país. E aqui fica a dúvida, justificam-se estas obras para o bem da população??

Habituamo-nos?

É preciso esquecer muita coisa. Mas aprender que o tempo já não nos pertence torna-se penoso: vai demorar muito a habituamo-nos à crueldade de que a nossa vida tem tudo a ver com sacrifício, dor, perda e pena. (...) E na maior parte da vida andamos perdidos. 

BAPTISTA-BASTOS, Armando, As bicicletas em Setembro, Porto, Edições ASA, 2007, p. 123.

terça-feira, 4 de setembro de 2018

segunda-feira, 3 de setembro de 2018

O esquecimento dos Alentejanos



Há portugueses, aqui nascidos e criados, que passam fome, sem dinheiros e sem mantenças. As câmaras alentejanas vivem à míngua, o desenvolvimento económico das vilas e aldeias é nulo, ou processa-se em normas ultrapassadas, pois quem deseja mandar nelas são ainda os senhores feudais e os homens que cá não nasceram. E os alentejanos abalam para ajudar a erguer novos prédios nas grandes metrópoles, hostilizam-nos como se fosse gado tresmalhado em seara alheia.  

SILVA, Antunes da, Suão, Livros Horizonte, Lisboa, 7.ª Edição, 1985, p. 211.