Pecado
é sonhar com o futuro: desejar a mulher que se viu neste instante,
querer com fúria o que é dado a outros, invejar furiosamente, como coisa
que nos foi roubada, a felicidade alheia que está dançando, sem
vergonha e sem respeito pela nossa miséria, diante dos nossos olhos que
param a vê-la. Mas imaginar-se feliz no passado, com aquilo que
fugidiamente o perpassara, e não fora nunca do tamanho da sua fome, não
era tentação, não era um pecado, era sim, a sua única riqueza, a sua
única razão de esperar a morte, seco de amor, exangue de entusiasmos,
descrente da pátria, destituído até da alegria de fazer versos.
SENA, Jorge de, “Super Flumina Babylonis”,
Homenagem ao papagaio verde e outros contos de Jorge de Sena, Lisboa, Público, 2004, p. 85.