sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Os azulejos de São Bento de Cástris II

O conjunto mais relevante encontra-se na igreja. O ciclo de São Bernardo é composto por dezanove painéis, a que foram adicionados outros dois, numa intervenção de conservação e restauro, pela Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN) - actual Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), cerca de 1955.

Apresentando vários momentos da vida do santo, que se sucedem, de certa forma, de modo cronológico, inicia-se do lado esquerdo da entrada da Igreja, ocupando as paredes da nave, capela-mor e transepto. Representam-se os seguintes episódios: São Bernardo, Sonho da mãe de São Bernardo, São Bernardo expulsa curandeira, Sonho de
São Bernardo, Tentação de São Bernardo, Tentações de São Bernardo, Vitória sobre as Tentações, São Bernardo entra no Mosteiro de Císter, São Bernardo em Císter, Fundação do Mosteiro de Claraval, O Mosteiro de Claraval recebe uma esmola, Milagre (painel de 1955), Conversão de Guilherme da Aquitânia, Amplexus, Concílio de Liège, Milagre (painel de 1955), Lactação, Saudação da Virgem a São Bernardo, Milagre de São Bernardo, Cura Milagrosa de São Bernardo, painel ornamental.
Os painéis, azuis e brancos, são enquadrados por ricas cercaduras polícromas com decoração rococó, que combinam o amarelo e manganês, o verde e o azul, onde surgem já alguns elementos neoclássicos, nomeadamente, pilastras em trompe-l’oeil, apontando para o rococó final.

O sucesso do ciclo deve-se, em grande parte, ao pendor decorativo das cercaduras, ao ritmo que imprime a alternância de frontões e urnas, animado pelo facto de elas envolverem também as portas, sendo que os azulejos se dispõem pelas paredes sem interrupções. Deste modo, os painéis desenvolvem-se num continuum, integrando os vãos das portas, os quais, além de enriquecidos pelas pilastras e urnas pertencentes às cercaduras e com elas confinantes, alteram a sua simplicidade, o que se vê pela junção de um novo elemento de origem cerâmica, composto por entablamento, frontão, cartela e festão, à semelhança do remate dos painéis; bem como um par de anjos que de cada lado sustenta a cartela, como acontece na parte inferior das cercaduras. Utilizando elementos comuns aos painéis, mais se enfatiza a sua integração no todo. Esta tentativa de criar uma espécie de arquitectura ficcional é uma sobrevivência, ainda que ténue, dos grandes enquadramentos cenográficos do período barroco. Uma vez que os painéis ocupam todas as paredes da Igreja, a circunstância de desenvolverem esta forma contínua (em que os fundos marmoreados, com suas bases e entablamentos, ligam os painéis entre si) contribui para uma unificação de todo o espaço.

No que diz respeito às circunstâncias da encomenda, a documentação existente é parca em informações, sendo referidos os montantes dispendidos com os azulejos e os intervenientes, sem nomear os ladrilhadores e o azulejador, que teriam tratado da obra com o padre feitor, a quem competia a supervisão das obras nos mosteiros da congregação.


Ainda que não seja fornecida uma data em concreto, foi possível situar a encomenda entre os anos de 1782-1785. Este facto assume o maior relevo, se tivermos em conta o contexto em que a encomenda foi efectuada. De facto, integra-se numa campanha de renovação geral do cenóbio19, que se verifica após a extinção do mosteiro ocorrida em 1775 e revogada em 1777. Após o regresso da comunidade, desencadeiam-se uma série de obras, renovações e aquisições que se vão estender ao longo de mais de dez anos e que se estende a todos os aspectos do templo e aos mais diversos espaços dentro da cerca monástica.

Na igreja, a aquisição dos painéis coincide com a reforma do retábulo da capela-mor e dos retábulos laterais, dos quais conhecemos os contratos notariais20. As obras na igreja englobam ainda alterações na capela-mor, como nova abóbada e arco triunfal, do púlpito, confessionário, alteração de porta e estuque da igreja, douramentos e ornamentos, ferrarias, pavimentos e sacristia. Estamos pois, em presença de uma campanha de reforma total, sendo que o breve hiato de ocupação do edifício não é suficiente para explicar tal magnitude.
Assim sendo, o conjunto azulejar pode ser integrado numa campanha de renovação material que pretende reafirmar a comunidade de novo reerguida.

Os azulejos relatam episódios da vida de São Bernardo, conhecidos das religiosas, uma vez que se encontram narrados na Crónica de Císter, de Frei Bernardo de Brito.


TERESA VERÃO Os Azulejos do Mosteiro de São Bento de Cástris in CENÁCULO Boletim on line do Museu de Évora | n.º 4 | Outubro 2010 - http://museudevora.imc-ip.pt/pt-PT/Boletim/numero4/ContentDetail.aspx?id=352

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