Que somos nós senão escravos do tempo? Vivemos sob a ditadura do tempo cronológico: aquele tempo utilitário e voraz, aquele contador ininterrupto que não dorme, aquele corredor que ninguém consegue travar. Somos literalmente engolidos pelo tempo, como a sugestiva imagem da mitologia diz ser a prática de Cronos, o inexpugnável rei dos titãs que, sem piedade, devorara os próprios filhos. E damos por nós a habitar dentro desse processo de devoração, correndo na ofegante corrente dos dias, acreditando que nada pode parar, temendo qualquer ralentização ou pausa e deixando com isso adiando a vida para outra vida. Estamos sempre a empurrar para o fim de semana, ou então para as férias ou para uma ocasião propícia que nunca chega. Porque o tempo não estica.
MENDONÇA, José Tolentino, O que é amar um país, Lisboa, Quetzal, 2020, pp 41-42.
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