sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Tu tens de aprender

Tu tens de aprender a guardar as coisas de pensar. Se souberes escrever, as folhas de papel serão caixinhas onde podes arrumar com palavras tudo aquilo que não queres esquecer. E as folhas de papel, tão planas e aaparentemente vazias, adquiriram fundura, uma imensidão inesperada, porque, se eu soubesse escrever pirilipampo, para sempre um pirilampo estaria ali, talvez até de cauda acesa, à minha espera.

MÃE, Valter Hugo, Contra mim, Porto, Porto Editora, 2020 p.51.


quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Babel

E todos tinham uma língua igual

ciosamente amada por noites de luar,

por dias claros 


Com ela nomeavam os sentidos

das coisas sem sentido antes de ser,

por ela se espalhavam na memória,

pois a memória era também de todos

e a todos preenchia o pensamento.


E se o céu era alto e eles fortes

no poder todo que a palavra dá.

e se o céu oferecia habitação

Às aves e às nuvens e ao sol,

porque não conquistá-lo em desafio 

profano?


Diz-se que a punição surgiu precisa

em exacta medida para o crime,

que a confusão cresceu junto às palavras,

ensombrado o silêncio outrora amado,

descompassado nos dias

e as coisas


Diz-se que a punição se cumpriu justa

no divino saber



Mas foi decerto

gesto de ciúme e

talvez quem sabe afirmação de quem 

já não tem demais céus


a conquistar 


AMARAL, Ana Luísa, Ágora, Porto Assírio e Alvim, 2019, p.p. 101-102.

Baptismo

Os mais difíceis poemas onde falo de amor

são aqueles em que o amor contempla.


O amor esquece ao contemplar,

esquece que não existe  encantado olhar

um raio anónimo sob o vento mais leve.


Contempla, amor, contempla.


E vai criando o nome que darás ao raio.


 SENA, Jorge de, Coroa da Terra, Assírio e Alvim, 2021, p. 33. 

quinta-feira, 5 de setembro de 2024

domingo, 1 de setembro de 2024

A vida é uma peça...


Julgo que por isso de não saber crescer, ter medo de todos os futuros, não acreditar que sobreviveria ao dia seguinte, tentei salvar o mundo pela ponderação da bondade. Não era mais do que uma tentativa desesperada de ser notado, de ser ajudado, coisa que não viria a acontecer. Era o Kundera que dizia que a vida é uma peça cujo primeiro ensaio já é a obra final, apresentada ao palco inteiro, sem regresso. Estamos como atirados à permanente estreia, e a aprendizagem daquilo que nos prendee é feita na mordedura e na sorte.

MÃE, Valter Hugo, Contra mim, Porto, Porto Editora, 2020 p. 233.




Jantar de Verão



 Restaurante Crafts BB
Évora