(...) a influência daquelas mãos sobre mim foi grande, pois claro. E afinal porquê? Talvez só porque surgiram na minha vida, de repente, e disseram-me assim: "até aqui, tu julgavas que tudo era fácil, evidente, correntio... Até aqui, tu imaginavas que, para viver, bastava respirar, ter as refeições prontas a horas, amar, dormir, tudo funções meramente orgânicas, claro. Enganaste-te. Viver é isso - evidentemente -, mas é muito mais do que isso. A vida mais viva e verdadeira é a vida que não se vê ao primeiro olhar e que não se sente à flor da pele...
(...) A minha vida não cabe já hoje nos estreitos limites do emprego... Procuro outra coisa, que nem sei bem o que é, mas que, a pouco e pouco, se define em mim e me absorve. E tudo por causa daquelas mãos que me souberam sorrir como nenhuma boca até aí sorrira!
(...) Eis o que eu não sabia e aquelas mãos me ensinaram de repente. Só somos ricos, todos, daquilo que os outros não conseguem ver.
Sinto que até aqui não vivera verdadeiramente. Desde a tarde em que duas mãos rosadas me falaram, sou outro. Mal me reconheço. Compreendo que a vida só agora começa para mim; ando contente e feliz do grande mistério descoberto.
É claro que os outros não podem compreender nem desculpar-me. E é melhor assim.
TRIGUEIROS, Luís Forjaz, Aquelas mãos, Ainda há estrelas no céu, 2.ª edição, Lisboa, Editorial Verbo, 1972, p.p. 65-67.
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