sexta-feira, 30 de setembro de 2022
Tudo é para sempre
Porque é tudo para sempre, mesmo a afémera morte,
encontrar-nos-emos eternamente
e nunca mais nos veremos.
O impossível volta a ser impossível. Para sempre.
PINA, Manuel António, Todas as palavras - poesia reunida, Porto, Assírio e Alvim, 2012, p. 125
quinta-feira, 29 de setembro de 2022
quarta-feira, 28 de setembro de 2022
terça-feira, 27 de setembro de 2022
Queres? Quero
Queres? (No ar, a interrogação vibra como
uma onda invisível.)
Queres? (Pelo silêncio, não sei quem és, não
sei a razão em mim que te deseja.)
Queres? ( É quase de manhã e poderíamos
esquecer tudo, fazer as malas, dormir
finalmente.)
Queres? (Uma porta talvez aberta para talvez
um abismo ou um deus.)
Quero. (Já não podemos fugir aos nossos olhos
inimagináveis, inalcançável é o cansaço.)
Quero. (A luz do quarto continua acesa sobre
a luz da manhã, tornamo-nos artificiais.)
Quero. (Os nossos corpos, claro, sempre os
nossos corpos, sempre apenas os nossos únicos
corpos.)
Quero. (Tarde demais.)
PEIXOTO, José Luís, Gaveta de papéis, 2.ª edição, Quetzal, 2011, p. 57.
sábado, 24 de setembro de 2022
Só penso em ti
Por ti sorrio
Por ti animo
Por ti suspiro
Por ti confio
Por ti aprendo
Por ti inovo
Por ti rejuvenesço,
Por ti espero...
Xpto
quinta-feira, 22 de setembro de 2022
O corpo é uma casa de hóspedes
O corpo é uma casa de hóspedes
a cada manhã chega alguém novo.
Dá a todos as boas-vindas,
pois podem ser mensageiros do impercepytível.
Não te sintas sobrecarregado por eles
não vá dar-se que voltem à não existência
Cada vez que um pensamento entra no teu coração
trata-o como um convidado de honra,
o teu valor comprova-se
pelos pensamentos que entreténs.
Abraça os pensamentos tristes
para que varram e limpem a casa do teu coração.
espalhas as folhas murchas e puxa as raízes torcidas,
e prepara o chão para os novos rebentos de alegria.
O que a tristeza tira ao coração
haverá de substituir por coisa melhor.
Sem a fúria do triovão e do relâmpago
as plantas seriam queimadas pelo Sol.
Sê grato por tudo o que recebes, de bom e de mau,
pois pode ser um presente do tesouro do Espírito
que trará a satisfação ao teu mais secreto desejo.
RUMI, O Pequeno livro da vida - o jardim da alma, do coração e do espírito, Alma dos Livros, 2020, p.22
segunda-feira, 19 de setembro de 2022
domingo, 18 de setembro de 2022
sábado, 17 de setembro de 2022
sexta-feira, 16 de setembro de 2022
Fiz da vida
Fiz da vida ida
Fiz da morte volta
Gága, gága, gága
Fiz de pedra tudo
-O automóvel verde 74
Nada sobre esta mão nada na outra
Dum lado o pé do outro a maresia
Para os lados do rim a luz é pouca
E uma vez sem exemplo é que eu queria
- soneto
CESARINY, Mário, Primavera autónoma das estradas, Assírio & Alvim, 2.a edição, 2017, p. 83.
segunda-feira, 12 de setembro de 2022
Os amigos
Vamos vendo os amigos cada vez mais longe,
muitas vezes de costas,
a sacudir o espaço dos seus tempos como se entrassem
no mundo pela primeira vez.
São pequenas formações quase desumanas
que às vezes se reconhecem
disformes quase sempre sós e aos pés oculto de todos
corre um rio.
Um rio que vai confundido a vida
e a memória.
Que percorre os lugares do júbilo como uma água
aflita e sem regresso.
Quando o olho por dentro no começo da tarde
os amigos cintilam como corpos estranhos
entre os nossos desastres bebemos o anoitecer
e adormeceríamos juntos de soubéssemos.
CARVALHO, Armando Silva, O País das minhas vísceras, s.l., Língua Morta, 2021, p450
sábado, 10 de setembro de 2022
O mar nos teus olhos
Praia de S Bruno |
na febre dos teus olhos
É o manso fascínio
da onda que se inventa
É o mar, meu amor
mestiço nos teus olhos
É o mirto, o queixume
a mansidão tão lenta
HORTA, Maria Teresa, As palavras do corpo, Lisboa, 2.ª edição, Publicações D. Quixote, 2014, p. 72.
Contigo
Contigo
inspiro e respiro
suo
cresço
avanço
o meu conhecimento
descubro-te a ti e a mim
solto-me
aprendo a tua revolução
inconscientemente
liberto-me
do púdico
excitando-me
sem o querer
destróis a minha muralha da China
Uma, duas e três vezes
incitas-me
animando-me
tudo me estimula
a novidade
me surpreende
é por isso que não páro quieta
cheiro
adapto-me
rio-me
mas nunca refilo lol
XPTO
Dois
Não cabiam palavras naquele
anoitecer.
Dois corpos, dois cegos. dois eus ambiciososo.
Tudo neles era um mundo mudo
suspenso do terror da dor
e do prazer.
CARVALHO, Armando Silva, O País das minhas vísceras, s.l., Língua Morta, 2021, p. 409.
sexta-feira, 9 de setembro de 2022
Chuva molhada
às vezes numa chuva molhada é uma coisa boa para escorregar momentos em direcção a mim. quando uma chuva molhada cai sobre o mundo redondo, as coisas da vida e a vida das coisas encontram-se num quintal vasto. foi sob uma chuva molhada em canduras que encontrei as barbas do meu pai num poema e o sorriso da minha mãe noutro.
ONDJAKI, Materiais para confecção de um espanador de tristezas, Editorial Caminho, 2009, p. 57.