terça-feira, 27 de setembro de 2022

Queres? Quero

Queres? (No ar, a interrogação vibra como

uma onda invisível.)


Queres? (Pelo silêncio, não sei quem és, não 

sei a razão em mim que te deseja.)


Queres? ( É quase de manhã e poderíamos

esquecer tudo, fazer as malas, dormir

finalmente.)


Queres? (Uma porta talvez aberta para talvez

um abismo ou um deus.)


Quero. (Já não podemos fugir aos nossos olhos

inimagináveis, inalcançável é o cansaço.)  


Quero. (A luz do quarto continua acesa sobre

a luz da manhã, tornamo-nos artificiais.)


Quero. (Os nossos corpos, claro, sempre os

nossos corpos, sempre apenas os nossos únicos

corpos.)


Quero. (Tarde demais.)


PEIXOTO, José Luís, Gaveta de papéis, 2.ª edição, Quetzal, 2011, p. 57.

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