quarta-feira, 8 de novembro de 2023

Aflito coração

Aflito coração, que o teu tormento,

Que os teus desejos, tácito, devoras,

E ao doce objecto, às perfeições que adoras,

Só te vás explicar com o pensamento:


Infeliz coração, recobra alento,

Seca as inúteis lágrimas que choras!

Tu cevas o teu mal, porque demoras

Os voos ao ditoso atrevimento.


Inflamas surdos ais, que o medo esfria:

Um bem tão suspirado e tão subido.

Como se há de ganhar sem ousadia?


Ao vencedor afoite-se o vencido:

Longe o respeito, longe a cobardia.

Morres de frio? Morres de atrevido.


BOCAGE - sonetos completos de Bocage, Lisboa, Círculo de Leitores, 1983, p. 15

Sem comentários: