terça-feira, 31 de agosto de 2010

A província



A província, senhores, deixai-me contar: todas as suas violências do lugar-comum, todas as sevícias do sentimento que se não espelha nos interesses têm aí o seu reinado. Se sois altruísta, magnâmino, desafectado de ambições, pródigo de certas profecias do coração, não demoreis os vossos passos nessas belas vilas tão inofensivas para o forasteiro e tão inquietantes para o que projecta mudança. Na província, o costume é o soberano. Pensai alterá-lo, e tereis arcontes e beleguins, trovadores e donas contra a vossa vida.
Proclamai uma inovação, e cozinheiras honestas, magas do bolinho de bacalhau e da lampreia bordalesa, hão de ministrar-vos uma mistura ervada. A paz da província chama-se prudência. Uma prudência ataviada de simpatias e consentimentos, às vezes uma prudência chamada instinto clerical, botâncio, que destila veneno e doçura da mesma planta. Se quereis viver seguro, não useis dos vossos demónios na província, ou o vosso fígado será devorado.
LUÍS, Agustina Bessa, A Brusca, Lisboa, Editorial Verbo, p.p. 10-11.

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