A vida pode ser como a viagem a que
nos agarramos, muitas vezes sem saber o que estamos
a fazer. Tudo corre muito depressa, e as coisas
passam sem que as vejamos; de outras vezes, porém, é lento
o andar, e podemos saborear o que acontece. Nos intervalos,
há pausas em que nos perguntamos porque foi assim
que vivemos: é então que duvidamos, que descobrimos
que há momentos em que talvez devêssemos ter
ido por outro lado, ou seguido o impulso que foi contrariado
e nos fez voltar atrás no instante decisivo. A vida, porém,
é aquilo que nos foi dado para tomar estas e aquelas decisões,
e para recusar o que queríamos ou aceitar o que
não queríamos. Porém, é melhor
que a vida seja o dia de hoje, e de preferência o de amanhã,
para que o passado não nos impeça de andar. Assim,
vejo vir ao meu encontro a mais bela das primaveras,
e ouço a música dos passos que transforma em presença
o que hoje me falta. E é como se a viagem tivesse encontrado
outro rumo nessa pausa em que nos encontrámos
e o tempo se contou num bater de pálpebras.
JÚDICE, Nuno, Regresso a um cenário campestre, Lisboa, D. Quixote, 2020, p. 37.
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