sábado, 7 de janeiro de 2023

A única presença

A palavra esplendor sai-te do ânus

como a estrela enferma

que o céu a si próprio recusa.

És a fantasia nervosa duma disciplina

obstada pelos cientistas

esses monstros submissos a uma legislação irrespirável.

Sob os dedos do olfacto és a miséria oculta

és a lebre que surge das silvas fatigada.

Estás aqui mas não conheces leito

e as cortinas sacodem-te

ao som mortiço da lua corrompida.

E neste instante os cães atravessam a arder

a planície repleta.

Uma árvore inclina-se ao grito do teu corpo

e as tuas mãos já mortas caídas como caça,

eram a presença. A única presença.

 

CARVALHO, Armando Silva, O País das minhas vísceras, Língua morta, 2021, p. 143.

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