Que esperamos?
A tua esperança.
Que fazemos?
O dia
CESARINY, Mário, O lorinhão escorreito, Primavera autónoma das estradas,
Assírio & Alvim, 2.a edição, 2017, p. 89.
Que esperamos?
A tua esperança.
Que fazemos?
O dia
CESARINY, Mário, O lorinhão escorreito, Primavera autónoma das estradas,
Assírio & Alvim, 2.a edição, 2017, p. 89.
2021 pode ter sido mais um ano para muitos, mas em tempos de pandemia, estes dias não foram de todo comuns...
Em retrospectiva, e após 108 dias que estive em lay off, fechada em casa devido ao confinamento obrigatório exigido pelo estado de calamidade no início de 2021, posso dizer que, mais uma vez tive medo do futuro (tudo se repetiu como em 2020, apesar da esperançosa vacina que se inventou mas que não se produziu tão rapidamente como todos gostaríamos).
O que teve de positivo o segundo confinamento foi o facto de ter conseguido fugir para a casa da minha mãe e assim dedicar-me a outras actividades além da limpeza e organização da casa, como anteriormente. Desta vez fui salva pelo quintal, na medida em que, conseguia "fugir" para a rua! Podia estar limitada a este espaço, mas só o poder fazer jardinagem e apanhar sol fez me tão bem! Também em Portimão conseguia ver mais pessoas do que em Évora, há sempre mais movimento nesta cidade. Podemos nos cingir a fazer adeus aos vizinhos mas ver que há vida a passar por nós não tem palavras...
Também aprendi a relaxar pela música porque dediquei me a ouvir a coleção de cds do meu querido pai. Música clássica ajuda depois de ouvir aviões militares e ambulâncias a passar com doentes covid, vindos de outros pontos do país - tantas urgências a abarrotar, meu Deus...
Se os negacionistas que existem neste mundo não fossem egoístas viam com olhos de gente este caos hospitalar. Este ano a minha família ficou mais pobre devido à morte da minha prima Ani, uma de muitos que a imprensa não fala e que tantos ignoram, ela esteve 9 meses sem receber tratamento oncológica por estar tudo focado a combater a pandemia! Nem a ministra da saúde teve coragem de admitir este desprezo pelos doentes ditos normais...
Mas por magia, no segundo semestre libertei-me um pouco desses medos e ganhei uma ânsia por liberdade, como até agora nunca tinha conhecido na minha vida. Sentimento desenscadeado também por um desconhecido, que surgiu como um furacão, abalando a minha rotina de uma maneira inimaginável. Há quem nos ajude mesmo sem o saber. Ao conhecer alguém irreverente, despreocupado e aventureiro tentei transformar-me um pouco assim. Talvez tivesse tido mais forças na minha metamorfose se tivesse ganho um amigo mais presente mas nem tudo pode ser como sonhámos. Provavelmente, a culpa é o demasiado virtual que desvirtua o destino... Todavia, coloquei alguns medos atrás das costas e caminhar ajudou-me a relaxar e sentir um pouco aquela adrenalina da aventura. Primeiro, na ponte suspensa nos passadiços do Paiva e depois a sair à noite nas silenciosas ruas de Évora.
Apreciei a natureza com outros olhos, alarguei o meu horizonte musical em vários concertos, voltei a ser mais activa ao praticar ginástica de grupo (coisa que não fazia há mais de dez anos) e consegui gozar tranquilamente o sol e a beleza do mar. Estar junta com a família e retomar o contacto com uma grande amiga deu-me grande felicidade, assim como apreciar museus, monumentos ou espectáculos de teatro. O mês de Agosto foi o meu êxtase, ao retomar as minhas escapadelas culturais, como adoro explorar sozinha cidades pela primeira vez! Leiria é linda!!! Quando aumentam os casos covid, não fui para longe, percorri o lindo Alentejo - Estremoz e Elvas são belos locais para passar o dia! Assim como o meu Algarve - Lagos e Faro, foram a minha opção!
Pode parecer loucura mas gostei da assistir a concertos sentada - à excepção dos Resistência, que não foi a mesma coisa, mas só o facto de conseguir ver sempre o palco foi uma enorme vantagem para uma baixinha como eu!
Um outro à parte que quero partilhar é sobre o meu trabalho. Ao melhorar a pandemia e, aumentar número de pessoas em espaços fechados, consegui atender público menos nervoso, continuando a qualidade no respectivo atendimento. E receber uma andorinha bebé de um francês no verão foi a cereja no topo do bolo, não é todos os dias que ganhamos vida!
Ah e o Natal foi maravilhoso este ano por a família se reunir, algo que não acontecia há muito. Tive foi de fazer o sacrifício de um auto-teste...
Resumindo, 2021 não foi mau de todo ao regressar à vida: fiz 581 kms contabilizados, fui 30 vezes à praia, assisti a 21 concertos, visitei 15 museus, li cerca de 80 livros. Normalizei a vida 😉
Só faltou uma coisa, encontrar o verdadeiro amor, será que é em 2022 que vou finalmente superar este desafio? Tenho de racionalizar menos e viver mais. Esta é a minha expectativa, saúde e felicidade (e que a fé esteja sempre presente no meu coração) 😃
Sobre o futuro toda a gente se engana. O homem só pode estar certo do momento presente. Mas será bem verdade? O presente, poderá ele verdadeirmente conhecê-lo? Será capaz de o julgar? Claro que não. Porque, como poderia conhecer o sentido do presente quem não conhece o futuro? Se não sabemos em direcção a que futuro o presente nos leva, como poderemos dizer que este presente é bom ou mau, que merece a nossa adesão, a nossa desconfiança ou o nosso ódio?
KUNDERA, Milan, A Ignorância, Porto, Edições Asa, 2001, p.124
Sem estrelas e sem lua,
Em cuja bruma recua
Fantasma de si mesma cada imagem.
ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner, Obra do mar, Caminho, 5.ª edição, 2005, p.48.
"Se eu rezasse, pediria compaixão
para os que não amam, para os que não sabem
para onde olhar quando estão sós e lhes falta
um rosto amado na memória, para os que
olham para uma flor e só pensam no dia em que
irá morrer. Talvez o amor não seja a única
salvação dos que precisam de tudo, nem
a cura para os males de quem não sabe
o que é o sonho. Porém, sem ele, as suas mãos
serão ainda mais vazias, e as suas noites
não terão o horizonte de uma luz ao
amanhecer. Penso em todos eles, por
quem rezaria, se eu rezasse, e é o teu rosto
que eu vejo à minha frente, são as tuas mãos
que procuram as minhas, e é a tua existência,
só pelo facto de existires, que acende
na minha noite cada futura manhã. E rezo,
afinal, no fim de tudo, rezo para que a tua voz
não me falte, o teu corpo se vista com o perfume
do campo e por ti corra, sempre, o rio deste amor."
P
JÚDICE, Nuno, Regresso a um cenário campestre, Lisboa, D. Quixote, 2020, p. 29.
e o silêncio das ondas paradas de encontro às
rochas. O teu rosto dentro das minhas mãos.
Os meus dedos sobre os teus lábios e a ternura,
como o horizonte, debaixo dos meus dedos.
Os meus lábios a aproximarem-se dos teus lábios.
Os teus olhos entreabertos, os teus olhos e os
teus lábios a aproximarem-se dos meus lábios
a aproximarem-se dos teus lábios a aproximarem-se
dos meus lábios, teus lábios.
PEIXOTO, José Luís, Gaveta de papéis, 2.ª edição, Quetzal, 2011, p. 46.
Não aceites sem protesto
a redução
das estações
MENDONÇA, José Tolentino, Papoila e o monge, Assírio e Alvim, 2019, p 127.
Foi na comunidade que a nossa história começou. Quando do “eu” fomos capazes de passar ao “nós” e lhe demos uma determinada configuração histórica, espiritual...
MENDONÇA, José Tolentino, O que é amar um país, Lisboa, Quetzal, 2020, p 88.
A vastidão do mundo
para o peregrino
não é mais do que um quarto vazio
MENDONÇA, José Tolentino, Papoila e o monge, Assírio e Alvim, 2019, p 151
Está tudo preparado: a mala,
as camisas, os mapas,a fátua esperança.
Sacudo o pó das pálpebras.
Pus na lapela
a rosa-dos-ventos.
Está tudo preparado: o mar, o ar, o atlas.
Só me falta o quando,
o para onde, um livro de bordo,
cartas de marear, ventos favoráveis,
coragem e alguém que saiba
amar-me como eu não sei.
O barco que não existe, o olhar,
os perigos, as mãos do assombro,
o cordão umbilical do horizonte
que sublinha estes versos reticentes...
está tudo preparado; a sério, em vão.
PIQUERAS, Juan Vicente, Instruções para atravessar o deserto - poemas escolhidos, Porto, Assírio & Alvim, 2019, p. 19.
Mesmo que faça frio
não aproximes do fogo
um coração de neve
MENDONÇA, José Tolentino, Papoila e o monge, Assírio e Alvim, 2019, p 89.
Cobertos de folhagem, na verdura,
O teu braço ao redor do meu pescoço,
O teu fato sem ter um só destroço,
O meu braço apertando-te a cintura;
Num mimoso jardim, ó pomba mansa,
Sobre um banco de mármore assentados,
Na sombra dos arbustos, que abraçados,
Beijarão meigamente a tua trança,
(…)
VERDE, Cesário, Cânticos do Realismo e outros poemas – 32 cartas, Lisboa, Círculo de Leitores, 2005, p 60.
MENDONÇA, José Tolentino, Papoila e o monge, Assírio e Alvim, 2019, p 106.
Aqui é onde estou. Esteja onde estiver
estou sempre aqui onde me vês.
Esta casa, estas caras, estas coisas
cansam, porque estar aqui cansa.
Aqui tem-se sede de partir, sede de ali.
Mas ali é o lugar onde jamais poderei estar,
onde sou impossível. Vá aonde vá,
lá onde eu chegar será aqui
e estarei esperando-me a mim mesmo
com o mesmo ramo de rosas na mão.
Aí é o teu aqui.
Aí parece um grito porque é onde te dói.
Eu quero estar aí, onde tu estás,
tu aqui ou, melhor, os dois ali, remotos, juntos
porque o vivo é o junto.
Aí há o amor que não há aqui.
Essas coisas que as tuas mãos afagam,
isso que pensas, dizes, calas, sonhas,
esses lugares onde estás sem mim,
é isso que desejo e necessito.
E ser o teu aí, a tua respiração intermitente.
Ali é a salvação, a miragem
nascida da sede de estar aqui.
Ali sim seríamos felizes,
onde o teu aqui e o meu estariam juntos,
comeriam perdizes que não existem.
Ali é aquela chuva
que cai sobre este páramo sedento.
Ali é Jauja, o Eldorado. Não há palavras
que possam dar ideia desse sítio.
As palavras são estas, nunca aquelas.
Eu estou aqui e tu aí e lá os dois, quando?
Isto é pedra. Isso é seda. Aquilo é mar.
Aqui, lar impossível, íntima ausência,
odiado domicílio, cárcere de cada dia.
Aí, calor do tu, a tua vida minha,
tesouro da tua ilha, ar de amor.
Ali, onde não estamos, chove sobre a vida
que nunca será nossa e nos aguarda.
PIQUERAS, Juan Vicente, Instruções para atravessar o deserto - poemas escolhidos, Porto, Assírio & Alvim, 2019, pp.15-17.