quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Advérbios de lugar

Aqui é onde estou. Esteja onde estiver

estou sempre aqui onde me vês.

Esta casa, estas caras, estas coisas

cansam, porque estar aqui cansa.

Aqui tem-se sede de partir, sede de ali.

Mas ali é o lugar onde jamais poderei estar,

onde sou impossível. Vá aonde vá,

lá onde eu chegar será aqui

e estarei esperando-me a mim mesmo

com o mesmo ramo de rosas na mão.

 

Aí é o teu aqui.

Aí parece um grito porque é onde te dói.

Eu quero estar aí, onde tu estás,

tu aqui ou, melhor, os dois ali, remotos, juntos

porque o vivo é o junto.

Aí há o amor que não há aqui.

Essas coisas que as tuas mãos afagam,

isso que pensas, dizes, calas, sonhas,

esses lugares onde estás sem mim,

é isso que desejo e necessito.

E ser o teu aí, a tua respiração intermitente.

 

Ali é a salvação, a miragem

nascida da sede de estar aqui.

Ali sim seríamos felizes,

onde o teu aqui e o meu estariam juntos,

comeriam perdizes que não existem.

 

Ali é aquela chuva

que cai sobre este páramo sedento.

Ali é Jauja, o Eldorado. Não há palavras

que possam dar ideia desse sítio.

As palavras são estas, nunca aquelas.

 

Eu estou aqui e tu aí e lá os dois, quando?

Isto é pedra. Isso é seda. Aquilo é mar.

 

Aqui, lar impossível, íntima ausência,

odiado domicílio, cárcere de cada dia.

 

Aí, calor do tu, a tua vida minha,

tesouro da tua ilha, ar de amor.

 

Ali, onde não estamos, chove sobre a vida

que nunca será nossa e nos aguarda.

 

PIQUERAS, Juan Vicente, Instruções para atravessar o deserto - poemas escolhidos, Porto, Assírio & Alvim, 2019, pp.15-17.

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