Aqui é onde estou. Esteja onde estiver
estou sempre aqui onde me vês.
Esta casa, estas caras, estas coisas
cansam, porque estar aqui cansa.
Aqui tem-se sede de partir, sede de ali.
Mas ali é o lugar onde jamais poderei estar,
onde sou impossível. Vá aonde vá,
lá onde eu chegar será aqui
e estarei esperando-me a mim mesmo
com o mesmo ramo de rosas na mão.
Aí é o teu aqui.
Aí parece um grito porque é onde te dói.
Eu quero estar aí, onde tu estás,
tu aqui ou, melhor, os dois ali, remotos, juntos
porque o vivo é o junto.
Aí há o amor que não há aqui.
Essas coisas que as tuas mãos afagam,
isso que pensas, dizes, calas, sonhas,
esses lugares onde estás sem mim,
é isso que desejo e necessito.
E ser o teu aí, a tua respiração intermitente.
Ali é a salvação, a miragem
nascida da sede de estar aqui.
Ali sim seríamos felizes,
onde o teu aqui e o meu estariam juntos,
comeriam perdizes que não existem.
Ali é aquela chuva
que cai sobre este páramo sedento.
Ali é Jauja, o Eldorado. Não há palavras
que possam dar ideia desse sítio.
As palavras são estas, nunca aquelas.
Eu estou aqui e tu aí e lá os dois, quando?
Isto é pedra. Isso é seda. Aquilo é mar.
Aqui, lar impossível, íntima ausência,
odiado domicílio, cárcere de cada dia.
Aí, calor do tu, a tua vida minha,
tesouro da tua ilha, ar de amor.
Ali, onde não estamos, chove sobre a vida
que nunca será nossa e nos aguarda.
PIQUERAS, Juan Vicente, Instruções para atravessar o deserto - poemas escolhidos, Porto, Assírio & Alvim, 2019, pp.15-17.
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