terça-feira, 31 de agosto de 2021

Históricas ausências

 Faltar-me-ias tanto. Muito e tanto

como tarde de súbito a fugir

em direcção à noite. Corte tão

cheio de pagens e papoulas,

de canela e marfim.


Tudo sem ti, porém. Tudo sem ti.

(E repetir o verso faz-me bem

- consolo de quem tem o que

não há, ou seja: tu). Faltas-me em

sobressalto e em granito de

estátua que não está


                                e cujo corpo

                                nem sequer vi

                                nu.

 

(dedico este poema ao meu quase amigo P)

 

 AMARAL, Ana Luísa, Imagias, Gótica, Viseu, 2002, p.72

Último dia de Agosto


               Praça do Geraldo, Évora 

sexta-feira, 27 de agosto de 2021

Numa planície


Sonhei com lúcidos delírios

À luz de um puro amanhecer

Numa planície onde crescem lírios

E há regatos cantantes a correr.

 

ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner, Obra do mar, Caminho, 5.ª edição, 2005, p. 53.

Ruas eborense vizinhas

Rua da Graça 

 Rua da Caraça

quinta-feira, 26 de agosto de 2021

Quando não se tem coragem de o admitir

(...)

Porém, não teve a coragem de o admitir, ou mesmo  de actuar em conformidade com os seus sentimentos.

Chegou ao hotel com uma terrível sensação de mal-estar, que admitiu ser resultante da sua permanente dificuldade em mostrar o que sentia, ou seja, de dizer as palavras que ficavam sempre por dizer.

Tão pouco fora capaz de mostrar o seu interesse por Ayan. Mais uma vez prevalecera em «imagem» que se havia imposto transmitir de si própria, em detrimento dos seus sentimentos mais profundos. Seria alguma vez capaz de se revelar a alguém?...

 CABRAL, Helena Sacadura, Caminhos do coração, Lisboa, Clube do Autor, 2011, p 118.

quarta-feira, 25 de agosto de 2021

O sol

Pouco depois, o sol entrava também na sala. Vinha todas as tardes antes de desaparecer por detrás dos telhados vizinhos. Entrava com esse silêncio e esse mesmo vagar com que se distendem as ilhas de água derramada nos soalhos, subia à mesa que estava no centro e iluminava, desbotando-as mais, as velhas flores de papel na sua jarra; ia até a parede de fundo e lá dava a ilusão de se fixar por algum tempo; depois, indiferente à vida da sala, começava a recuar, a encolher-se, sempre vagarosamente.

CASTRO, Ferreira de, A experiência, Lisboa, Cavalo de ferro, 2014, p. 64

domingo, 22 de agosto de 2021

Tristeza encantadora

 

Era um véu de tristeza encantadora,

Névoa de noite de luar de agosto,

Sombra misteriosa emoldurando

A curva graciosa de teu rosto!


VERDE, Cesário, Cânticos do Realismo e outros poemas – 32 cartas, Lisboa, Círculo de Leitores, 2005, p. 56

sexta-feira, 20 de agosto de 2021

Les unions complètes sont rares

Máximas para a vida: Les unions complètes sont rares. Não se pode modificar a humanidade, apenas conhecê-la. A felicidade é uma capa escarlate com o forro em farrapos. Os amantes são como dois irmãos siameses, dois corpos com uma só alma; mas se um dos corpos morre antes do outro o sobrevivente vive a arrastar um cadáver. O orgulho faz-nos desejar uma solução para as coisas: uma solução, um fim, uma causa final; mas quanto melhores são os telescópios, mais numerosas as estrelas. Não se pode modificar a humanidade, apenas podemos conhecê-la. Les unions complètes sont rares.

 BARNES, Julian, O papagaio de Flaubert, Lisboa, Quetzal, 2019, p 217.

quinta-feira, 19 de agosto de 2021

Sol e Beja



O facto é que vim a Beja cumprimentar o Sol, que aqui vive e descansa, como se estivesse no seio da família.  

SILVA, Antunes da, Alentejo é sangue, Porto, 3.a edição, Livros Horizonte, 1984, p.233.

quarta-feira, 11 de agosto de 2021

domingo, 1 de agosto de 2021

E se o tempo se alongasse?

 Mas: se o tempo se alongasse?

Se o tempo: um cavalo intenso

e de infinito mistério,

trazendo de novo agosto,

um cheiro a sério de rosas,

o caramanchão bordado,

o meu avô outra vez,

o pão que ele preparava,

a ternura nos seus dedos,

e o seu anel de uma pedra

que eu não consigo lembrar,

mas que a textura me lembra,

e que a sua cor por força

me ajudaria a lembrar?

Se ele trouxesse outra vez

as letras mortas e lentas

(...)

 AMARAL, Ana Luísa, Imagias, Gótica, Viseu, 2002, p. 20.

 

Poderás não me ver

Poderás não me ver hoje,

amanhã ou nunca,

 mas há em mim o aroma do jasmim,

 o baile das acácias

 onde o vento norte

 trás o sabor das nogueiras,

 o ondular das marés,

 as infinitas nuvens 

que se somem

 por entre o teu horizonte.

 Poderei não te ver hoje, 

amanhã ou nunca, 

mas há um renascer novo, 

um olhar meigo, um sentir...


José Alberto, poeta eborense

Evadir-me

 

Ilha do Farol, Ria Formosa

 

Evadir-me, esquecer-me, regressar

À frescura das coisas vegetais,

Ao verde flutuante dos pinhais

Percorridos de seivas virginais

E ao grande vento límpido do mar.

 

ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner, Obra do mar, Caminho, 5.ª edição, 2005, p 58.