terça-feira, 28 de fevereiro de 2023
As pessoas
As pessoas têm a sua casa e a sua doença
Mas a casa das pessoas é a sua doença
Oh as pessoas estão doentes de indiferença
E morrem como mortos, da sua doença
Morrem umas na frente das outras as pessoas
Umas são assim outras como são?
As pessoas são más as pessoas são boas
As pessoas as pessoas as pessoas as pessoas
PINA, Manuel António, Todas as palavras - poesia reunida, Porto, Assírio e Alvim, 2012, p. 41
Porque existe Deus
uma vez
uma vez sim
porque também li algures que o amor só acontece
(uma vez em cada século
e eu já estou a atravessar o segundo
em miseráveis quartos conheci a solidão
dos que passavam pela noite como cometas
fazendo amor com qualquer uma
apanhados a ver o mar como crianças
PIMENTA, José António, Deixa entrar a noite na palavra, Coimbra, MinervaCoimbra, 2019, p. 57
segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023
A noite é de quem ama
A noite é de quem ama
de quem sabe o que tentam dizer os nossos passos
no percurso do silêncio
A noite é nossa
só nossa
sem Deus nem inferno
Podemos rasgar-lhe os pulsos
e fazer sangrar a solidão
Podemos percorrer o silêncio em cada sílaba
ou de vez em quando morrer
Podemos contemplar-nos e reconstruir-nos no
mais antigo alfabeto
ou sufocar para sempre a nossa voz silenciosa
PIMENTA, José António, Deixa entrar a noite na palavra, Coimbra, MinervaCoimbra, 2019, p. 28.
domingo, 26 de fevereiro de 2023
Margem Sul
Montoito, concelho do Redondo |
Ó Alentejo dos pobres
reino da desolação
não sirvas quem te despreza
é tua a tua nação.
Não vás a terras alheias
lançar sementes de morte
é na terra do teu pão
que se joga a tua sorte.
Terra morena de Moura
terra sangrenta de Serpa
vias de angústia em botão
dor cerrada em Baleizão.
Ó margem esquerda do Verão
mais quente de Portugal
margem esquerda deste amor
feito de fome e de sal.
A foice dos teus ceifeiros
trago no peito gravada
ó minha terra vermelha
como bandeira sonhada.
RODRIGUES, Urbano Tavares, Poesia - Horas de vidro, Alfragide, Publicações D. Quixote, 2010, pp.25-26.
sábado, 25 de fevereiro de 2023
domingo, 19 de fevereiro de 2023
Calo-me
Calo-me quando escrevo
assim as palavras falam mais alto e mais baixo.
Nada no poema é impossível e tudo é possível
Mas não arranjo maneira de entrar no poema
e de sair de mim e por isso a minha voz é profunda e rouca
e por isso me calo (e como me calarei?)
No entanto ninguém é tão falador como eu
Nem há palavras que não cheguem para não dizer nada.
E vós também: não me faleis de nada ou fala-me.
Porque não sabeis o que dizeis.
PINA, Manuel António, Todas as palavras - poesia reunida, Porto, Assírio e Alvim, 2012, p. 14.
sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023
quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023
O inferno são os outros
Homens entre os homens
descobre-se a si mesmo
na estrada na cidade na multidão
por isso ouve-me de nada te serve a solidão
do teu quarto fechado
apenas para agonizar
como um animal ferido
e morreres sem saberes que nome tens
e lembra-te sempre disto
o inferno são os outros.
PIMENTA, José António, Deixa entrar a noite na palavra, Coimbra, MinervaCoimbra, 2019, p. 69.
terça-feira, 14 de fevereiro de 2023
O AMOR
O amor começa com uma metáfora. Ou, por outras palavras, o amor começa no preciso instante em que, com uma das suas palavras, uma mulher se inscreve na nossa memória poética.
KUNDERA, Milan, A Insustentável leveza do ser, Alfragide, D. Quixote, 32.ª edição, 2015, p.261.
O amor é um pássaro que voa
O amor é um pássaro que voa
ao vento do acaso. Vai sozinho,
e quando encontra uma nuvem logo
se perde, sem saber como sair
de dentro dela. Vê o azul, mas prefere
o temporal. Entra nos bosques que
lhe são proibidos, e foge da luz
para se refugiar na sombra. É daí
que vem o seu canto. Não o vemos
mas as suas asas batem à nossa
volta, e seguimos para onde nos
leva, sem perguntarmos porquê. E porque
o amor é leve como folha de outono,
é pesado como o seu destino, é
ágil como o seu voo, não deixa
que o fechem numa gaiola e
ao ver-se perseguido, é ele
quem captura o caçador
com a seta que fere,
mas não mata.
JÚDICE, Nuno, Alegoria amorosa, Regresso a um cenário campestre, Lisboa, D. Quixote, 2020, p. 82
O Dia
Passa o dia contigo
Não deixes que te desviem
Um poema emerge tão jovem tão antigo
Que nem sabes desde quando em ti vivia.
ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner, Ilhas, Assírio & Alvim, 6.ª edição, 2016, p. 74.
segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023
O amor é o vencedor sinistro que ninguém suplanta pela astúcia
(...) O amor foi purificado, como nunca o foi antes. O amor foi transformado para ser apenas amor e nada mais do que amor.
- Como perguntou Rudyard.
- Pelo farmacêutico - respondeu Edmund -, pela venda de contraceptivos.
(...)
- O contraceptivo - continou Edmund - purificou o amor ao libertá-lo do acidente dos filhos. Agora toda a gente com juízo pode descobrir quem ama relamente. Os filhos podem ser seres escolhidos e não o resultado de luxúria impetuosa ou apetite impaciente. Agora o amor é o amor e nada mais senão amor!
- Sim - disse Rudyard -, uma mera invenção material transformou completamente as relações entre os homens e as mulheres: uma mera coisa material!
- Por outro lado - disse Francis French -, também torna possível o adultério e a promiscuidade, não que eu tenha alguma coisa contra a promiscuidade.
(....)
- Sim, disse Jacob-, torna tudo demasiado fácil, o que é sempre uma boa razão pra suspeita e dúvida. O amor é mais difícil do que qualquer outra coisa. O amor é o vencedor sinistro que ninguém suplanta pela astúcia.
- Exactamnete - disse Edmund - esta engenhoca, tão pequena e barata, assegura a vitória do amor. O amor não pode ser evitado, não pode ser posto de lado, nenhuns pensamentos de utilidade ou vergonha podem interferir.
- Não há nada de verdade nisso - disse Laura - continuas a precisar de encontrar alguém a quem amar e que te ame.
Jacob, um pouco à parte, viu que sobre este assunto a opinião era absoluta e a especulação infinita precisamente porque eles estavam tão longe da realidade do amor.
- Que longe é amar? - perguntou a si próprio. Ama o vencedor sinistro a que ninguém escapa.
SCHWARTZ, Delmore, Nos sonhos começam as responsabilidades, Lisboa, Guerra e Paz, 2020, pp. 101-102
Sei
Sei que as palavras podem ser belas
também as noites
também os sonhos
mas esta nova âncora que me prende ao fundo de um
oceano nocturno
não me deixa espaço para as palavras
não me deixa espaço para as noites
nem para os sonhos
PIMENTA, José António, Deixa entrar a noite na palavra, Coimbra, MinervaCoimbra, 2019, p. 41-42.
sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023
quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023
quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023
terça-feira, 7 de fevereiro de 2023
segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023
domingo, 5 de fevereiro de 2023
sábado, 4 de fevereiro de 2023
Apresentação
Cantar não é talvez suficiente.
Não porque não acendam de repente as noites
tuas palavras irmãs do fogo
mas só porque palavras são
apenas chama e vento.
E contudo canção
só cantando por vezes se resiste
só cantando se pode incomodar
quem à vileza do silêncio nos obriga.
Eu venho incomodar.
Trago palavras como bofetadas
e é inútil mandarem-me calar
porque a minha canção não fica no papel.
Eu venho tocar os sinos.
Planto espadas e transformo destinos.
Os homens ouvem-me cantar
e a pele
dos homens fica arrepiada
tem no coração
e depois é madrugada
dentro dos homens onde ponho
uma espingarda e um sonho.
E é inútil mandarem-me calar.
De certo modo sou um guerrilheiro
que traz a tiracolo
uma espingarda carregada de poemas
ou se preferem sou um marinheiro
que traz o mar ao colo
e meteu um navio pela terra dentro
e pendurou depois no vento
uma canção.
Já disse: planto espadas
e transformo destinos.
E para isso basta-me tocar os sinos
que cada homem tem no coração.
ALEGRE, Manuel, Praça da Canção, Lisboa, 5.ª edição, D. Quixote, 2015, pp. 37-38.
Abraço no ocaso
Absorta no pensamento
Não te vi
E nem sequer te ouvi...
mas acreditas que estava a pensar em ti?
Fui caminhar para desanuviar,
estava mesmo a precisar de relaxar
e até fui perguntar
quanto custava ginastar
por precisar de energias gastar!
De manhã ao acordar
decidi te soltar
mas tu estás me sempre a contrariar 😉
Surges do nada
E por segundos foste a minha sombra
Estupefacta fiquei com a surpresa
O que me levou a abrir...
És tão carinhoso
Mas não sei se um pouco mentiroso
Pois espero sempre por ti...
Não compreendes os meus toques?
Delinea me lá um plano safado!
Adoro o acordo.
É a média que odeio.
Quero estar contigo...
XPTO
sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023
quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023
Há um silêncio
Há um silêncio que diz mais do que mil palavras
sobre promessas quebradas
e do amargo cheio da mágoa
Há um silêncio que diz mais do que o fumo
das noites passadas em claro
sem sugestão de
estrelas no céu
PIMENTA, José António, Deixa entrar a noite na palavra, Coimbra, MinervaCoimbra, 2019, p. 63