sábado, 4 de fevereiro de 2023

Apresentação

Cantar não é talvez suficiente.

Não porque não acendam de repente as noites

tuas palavras irmãs do fogo

mas só porque palavras são

apenas chama e vento.

E contudo canção

só cantando por vezes se resiste

só cantando se pode incomodar

quem à vileza do silêncio nos obriga.


Eu venho incomodar.

Trago palavras como bofetadas

e é inútil mandarem-me calar

porque a minha canção não fica no papel.

Eu venho tocar os sinos.

Planto espadas e transformo destinos.


Os homens ouvem-me cantar

e a pele

dos homens fica arrepiada

tem no coração

e depois é madrugada

dentro dos homens onde ponho

uma espingarda e um sonho.


E é inútil mandarem-me calar.

De certo modo sou um guerrilheiro

que traz a tiracolo

uma espingarda carregada de poemas

ou se preferem sou um marinheiro

que traz o mar ao colo

e meteu um navio pela terra dentro

e pendurou depois no vento

uma canção.


Já disse: planto espadas

e transformo destinos.

E para isso basta-me tocar os sinos

que cada homem tem no coração.


 ALEGRE, Manuel, Praça da Canção, Lisboa, 5.ª edição, D. Quixote, 2015, pp. 37-38.

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