sábado, 24 de julho de 2021

O exacto curso do rio

Exactamente como foi, o medo de me enganar

mais tarde na memória - é tudo o que me resta: estar

de noite às escuras a pensar em ti


E se me lembro mal, se troco as vezes, naquela

quinta-feira o dia do amor em vez de ser

na quarta, o erro surge-me gigante,

um peso carregado como Atlas


Por isso é que preciso de lembrar coisas

exactas, como aconteceu tudo; não só

transpor depois na ficção recolhida, sou eu

que te preciso e dos teus dias

que me foram meus


Lembrar-me exactamente como foi, o que usei

nesse dia e o que usei no outro, até que horas

tudo, se havia gente ou não

e em que dia. Porque as palavras depois se 

reconstroem


O que se disse então torna-se fácil.

Assim dito parece coisa pouca,

lugar comum e 

fácil, mas as noites são grandes


e lembrar-te

exactamente,

de uma forma correcta


é-me tão importante

dentro das noites a pensar em ti

sabendo: não te vejo nunca mais.

 

Dedico-te este poema P, há um mês que te conheci, numa quinta-feira de lua cheia.

AMARAL, Ana Luísa, Imagias, Gótica, Viseu, 2002, pp. 7 e 8.

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