segunda-feira, 18 de julho de 2022

Amor? Só ao Grande Irmão

Cerceámos os laços entre filhos e pais, entre um homem e outro homem, e entre um homem e uma mulher. Já ninguém se atreve a confiar numa mulher ou num filho ou num amigo. Mas no futuro, deixará de haver mulheres e amigos. As crianças serão retiradas às mães à nascença, tal como se tira ovos a uma galinha. O instinto sexual será erradicado. A procriação será uma normalidade anual como a renovação das senhas de racionamento. Aboliremos o orgasmo. Os nossos neurologistas estão neste preciso momento a trabalhar nesse sentido. Não haverá lealdade, excepto a lealdade para com o Partido. Não haverá amor, excepto o amor com o Grande Irmão. Não haverá riso, excepto o riso do júbilo com a derrota de um inimigo. Não haverá arte, nem literatura, nem ciência. Quando formos omnipotentes, deixaremos de precisar da ciência. Não haverá distinção entre beleza e fealdade. Não haverá arte, nem literatura, nem ciência. Todos os prazeres concorrentes serão destruídos (...) Haverá sempre a embriaguez do poder, cada vez mais intensa e cada vez mais subtil. Haverá sempre, em todos os momentos, o entusiasmo da vitória, a sensação de espezinhar um inimigo que está indefeso.


ORWELL, George, 1984, Alfragide, D. Quixote, 2019, pp. 294-295.

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