sábado, 16 de julho de 2022

O meu amor não cabe num poema

O meu amor não cabe num poema - há coisas assim,

que não se rendem à geometria deste mundo;

são como corpos desencontrados da sua arquitectura

ou quartos que os gestos não preenchem.


O meu amor é maior que as palavras; e daí inútil

a agitação dos dedos na intimidade do texto -

a página não ilustra o zelo do farol que agasalha as baías

nem a candura da mão que protege a chama que estremece.


O meu amor não se deixa dizer - é um formigueiro

que acode aos lábios como a urgência de um beijo

ou a matéria efervescente dos segredos; a combustão

laboriosa que evoca, à flor da pele, vestígios

de uma explosão exemplar: a cratera que um corpo,

ao levantar-se, deixa para sempre na vizinhança de outro corpo.


O meu amor anda por dentro do silêncio a formular loucuras

com a nudez do teu nome - é um fantasma que estrebucha

no dédalo das veias e sangra quando o encerram  em metáforas.

Um verso que o vestisse definharia sob a roupa

como o esqueleto de uma palavra morta. Nenhum poema

podia ser o chão da sua casa.


PEDREIRA, Maria do Rosário, Poesia reunida, Lisboa, Quetzal, 2012, p. 94.

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