Em criança fui imortal. Em adolescente
rebelei-me contra o que agora sou.
Em jovem fui selvagem. Fiz sofrer
e sofri muito mais do que quis.
Pouco a pouco a morte (era semente
e parecia alheia) foi crescendo
dentro de mim, feliz, recuperando
o que era seu e eu soube de que era feita
a vida já bem tarde. Na velhice
beijava a água e abraçava o ar
como o doente abraça a esperança
ou o náufrago a espera. Nunca o mundo
foi tão belo como antes de partir.
Agora já não existe. Agora sonho
que o que já não sou volta a nascer.
PIQUERAS, Juan Vicente, Instruções para atravessar o deserto - poemas escolhidos, Porto, Assírio & Alvim, 2019, p 77.
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