sexta-feira, 22 de setembro de 2023

ÍCARO

 A minha Dor, vesti-a de brocado,

Fi-la cantar um choro em melopeia,

Ergui-lhe um trono de oiro imaculado,

Ajoelhei de mãos postas e adorei-a.


Por longo tempo, assim fiquei prostrado,

Moendo os joelhos sobre lodo e areia.

E as multidões desceram do povoado,

Que a minha Dor cantava de sereia...


Depois, ruflaram alto asas de agoiro!

Um silêncio gelou em derredor...

E eu levantei a face, a tremer todo:


Jesus! ruíra em cinza o trono de oiro!

E, misérrima e nua, a minha Dor

Ajoelhara a meu lado sobre o lodo.



 RÉGIO, José, Biografia, 6.ª edição, Guimarães, Ópera Omnia,2020, p.29.

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