Ocorreu-me ontem que
não vejo o correio há uma semana,
que nem por isso sou mais feliz ou infeliz;
a felicidade não depende certamente de coisas como o correio
ou como o temor ou o desejo,
depende talvez mais, pelo menos para já,
da certeza de que os papéis estão arrumados,
pagas as dívidas,
intacta ainda a possibilidade de morrer.
Um dia destes, se fosse caso disso,
escrever-te-ia sobre a discordante paixão da
imortalidade.
Agora é tarde, estão já
à porta os assassinos.
Teu Gallion
PINA, Manuel António, Todas as palavras - poesia reunida, Porto, Assírio e Alvim, 2012, p. 197.
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