terça-feira, 16 de novembro de 2021

Cidade em que ilha transformou

 


Às cristalizações da inclemência da invernia pertence a cidade que em ilha transformou, e observam-no os locais com o diverso timbre das emoções que deles se apoderam. É tão alva a povoação como nunca foi, sepultada nas neves que resolveram as charadas dos muros de cal, tão silenciosa que as lágrimas dos cansados se transformam em gelo antes de subir ao olhar. Não há horta ou jardim que se não converta em poalha muda, enrouqueceram os sinos na impossibilidade de suster o peso do seu dobre, pelos veios da rocha esgueira-se a alma da água que não cessa de cantar. (…) Avançam pelos becos como fantasmas avantajados, escondendo-se por detrás dos abafos, recuperando o fôlego para prosseguira na murmuração dos rosários, cuspindo a praga que afugenta o cão que se lhes apegou aos calcanhares. Estamos em Évora, e volve-se a cidade espelho de um soberano opulento, e a ela afluem embaixadores dos potentados todos da Terra, e corre o ano esquecido dos calendários da rota da humanidade geral.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           

CLÁUDIO, Mário, Peregrinação de Barnabé das Índias, Alfragide, 3.a edição, D. Quixote, 2017, P14.

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