Só sou feliz partindo.
Não entre quatro paredes, à mercê das espadas,
mas entre aqui e ali, uma e outra casa,
ambas de preferência alheias.
Já não posso, nem quero, estar quieto.
Nem agora nem depois. Nem aqui nem ali.
Em todo o caso aí, onde tu estás,
sejas tu quem fores, põe o teu nome
nos meus lábios sedentos, insaciáveis.
Eu não sou eu nem posso ter casa.
Não digo já porque foi sempre assim,
nunca a tive, sempre fui estrangeiro
dentro e fora de mim. Sou o que não sou:
O mendigo que dorme debaixo da ponte
que une as minhas duas margens e que cruzo
dia e noite sem poder deter-me.
Escrevo porque procuro, porque espero.
Mas já não sei o quê, perdeu-se na memória.
Espero que escrevendo
acabe por lembrar-me. Insisto na intempérie.
Sobrevivo entre parêntesis
no espaço vivo e no tempo morto
da espera de quê, entre dois aquis.
Nunca em mas entre. Sai de mim,
sejas que fores, deixa-me em paz
ou acaba já comigo e com o mel
amargo de estar só a falar só.
Decidi que a minha pátria seja
não decidir, não estar em nenhum sítio
mas de passagem, pontes, naves, comboios,
onde eu seja só o passageiro
que sei que sou, sentindo
que me inquieta a paz,
que a quietude me assusta,
que a segurança não me interessa,
que só sou feliz quando me sei fugaz.
PIQUERAS, Juan Vicente, Instruções para
atravessar o deserto - poemas escolhidos, Porto, Assírio & Alvim, 2019, pp. 11-13.
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