quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Se eu fosse a ti

Se eu fosse a ti amava-me, telefonava,

não perdia tempo, dizia-me que sim.

Não hesitava mais, fugia.

Dava o que tens, o que tenho,

para ter o que dás, o que me darias.

Soltava o cabelo, chorava

de prazer, cantava descalça, dançava,

punha em fevereiro um sol de agosto,

morria de prazer, não punha

nenhum mas a este amor, inventava

nomes e verbos novos, estremecia

de medo perante a dúvida de que fosse

só um sonho, fugia

para sempre de ti, de ali, comigo.

Se eu fosse a ti amava-me.

Dizia-me que sim, vinha

a correr para os meus braços,

ou pelo menos, sei lá, respondia

às minhas mensagens, às minhas tentativas

de saber que é feito de ti, telefonava-me,

que será de nós, dava-me

um sinal de vida, se eu fosse a ti. P

 

PIQUERAS, Juan Vicente, Instruções para atravessar o deserto - poemas escolhidos, Porto, Assírio & Alvim, 2019, p. 101

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