segunda-feira, 29 de agosto de 2022

À PROCURA DA FELICIDADE

Não ando à procura de volúpia, ando é à procura da felicidade e a volúpia sem felicidade não é volúpia.


KUNDERA, Milan, A Insustentável leveza do ser, Alfragide, D. Quixote, 32.ª edição, 2015, p.261.

 

Grafitis por este país fora

Armação de Pêra
Vila Real



 Lisboa

sábado, 27 de agosto de 2022

"The house of life"

Como Rosseti resgatando a dádiva de amor

verso a verso ao corrupto corpo

de Elizabeth Eleanor, o escritor

é um ladrão de túmulos. E é um morto


dormindo um sono alheio, o do livro,

que a si mesmo se sonha digerindo

sua carne e seu sangue e dirigindo

a sua mão e o seu livre arbítrio.


Quem construiu a sua casa? Quem semeou

a sua vida, quem a colherá?

Nem a sua morte lhe pertence, roubou-a

a outro e outro lha roubará.


Toma, come, leitor: este é o seu corpo,

a inabitada casa do livro,

também tu estás, como ele, morto,

e também não fazes sentido. 


 PINA, Manuel António, Os Livros, Lisboa, Assírio  Alvim, 2003, p. 49

Canto peninsular

Estar aqui dói-me. E eu estou aqui

há novecentos anos. Não cresci nem mudei.

Apodreci.

Doem-me as próprias raízes que criei.



Foi a guerra e a paz. E veio o sol. Veio e passou

a tempestade.

Muita coisa mudou. Só não mudou

este monstro que tem a minha idade.


E foi de novo a guerra e a paz. Muita coisa mudou

em novecentos anos.

Eu é que não mudei. Neste monstro que sou

só os olhos ainda são humanos.


Quantas vezes gritei e não me ouviram

quantas vezes morri e me deixaram

nos campos da batalha onde depois floriam

flores e pão que do meu sangue se criaram.


Andei de terra em terra

por esse mundo que de certo modo descobri.

E fui soldado contra a minha própria guerra

eu que fui pelo mundo e nunca saí daqui.


Mil sonhos eu sonhei. E foram mil enganos.

Tive o mundo nas mãos. E sempre passei fome.

Eis-me tal como sou há novecentos anos

eu que não sei escrever sequer o próprio nome.


Falam de mim e dizem; é um herói.

(Não sei se por estar morto ou porque ainda não morri.)

Mas nunca ninguém disse  razão por que me dói

estar aqui.


ALEGRE, Manuel, Praça da Canção, Lisboa, 5.ª edição, D, Quixote, 2015, pp. 45 -46.

Gazela

um baloiço-para-auras repousava num livro.

o livro era uma marionete de sonhos a brincar de realidade [a realidade está manchada de acrobatas que salvam as redes...]

um dia fiz um desenho complicado para ser simples: pus olhos inquietos, mãos mágicas, três margens da mesma aura dançante, fios de cabelo prateados, peugadas de gazela, meias-luas, dois pedaços de timidez, monstrinhos e provocações; ah!, também pus segredos literários cifrados e atalhos sem sinalização para quem frequente a imaginação. tinha cheiro de território. havia qualquer coisa de margem no desenho.

ONDJAKI, Materiais para confecção de um espanador de tristezas, Editorial Caminho, 2009, p 48.

quinta-feira, 25 de agosto de 2022

Estações e comboio


Cruz Quebrada
Alcântara

 

Amanhã, meu amor

Amanhã, meu amor, já não terás de ver nos meus olhos

o reflexo das velas cansadas da viagens; nem das aves

que sobrevoaram o cais, mas, por descrerem do verão,

desistiram de perseguir os barcos que se foram a um país

de sol. E não terás também de ver as minhas lágrimas, porque

uma mão maior virá cerrar-me as pálpebras para esconder

deste mundo que a morte nunca chega para quem ama.


PEDREIRA, Maria do Rosário, Poesia reunida, Lisboa, Quetzal, 2012, p.113.

Acreditando na evolução


 

quarta-feira, 24 de agosto de 2022

Com indiferença

E por fim a manhã talvez comece

debaixo duma pedra

ou da noite escorra sobre as primeiras

violetas ou as últimas que sei eu. 


Embora seja inverno desde há muito

a vocação das folhas é ser ave

ou música quando no vento

arde o coração da cal.


Ou o meu o meu.


 ANDRADE, Eugénio de, Véspera da água, Porto, Assírio e Alvim, 2014, p. 62.

segunda-feira, 22 de agosto de 2022

Esperar-te

 A verdade é que eu já não tinha idade

(nem palavras) para esperar-te,

começava a fazer-se muito tarde

e morria sozinho sem ninguém com quem falar de


mim. Os sonhos da infância

vagueavam inúteis pelos cantos

e eu transformava-me entretanto

em algo parecido com eles, da mesma susbstância.


PINA, Manuel António, Todas as palavras - poesia reunida, Porto, Assírio e Alvim, 2012, p. 170.

sábado, 20 de agosto de 2022

X

Assexuada

Despertada

Atracção 

Sem relação 


Colorir a sina

Aumentar a crina

Assim não há espinha

Apenas revolução 


Xpto

Praia ao fim da tarde






PRAIA DA ROCHA - PORTIMÃO
 

Lota recuperada


 PORTIMÂO

Noite


 ÉVORA

Beijo



 ÉVORA

Lua e noite

Hospedo-me hoje nesta cabana

amanhã serei hóspede

da lua


A noite escuta com a mesma indiferença

a toada soada do monge

e a canção roca das prostitutas


MENDONÇA, José Tolentino, Papoila e o monge, Assírio e Alvim, 2019, pp. 62-63.

Somente amando poderemos saber se o amor existe ou não

HAY, Louise , HOLDEN, Robert, A vida ama-me, s.l., Pergaminho, 2015, p. 167.

quarta-feira, 17 de agosto de 2022

Afinal ;D

Afinal não és não;

És furacão,

Um leão 

cheio de tensão 

Que me trouxe revolução 

Através da atração 

e me deu outra visão.

A minha condição 

deu cabo do serão 

apesar de toda a inovação!!!

Muita apreensão,

Demasiada contrição...

Contudo feliz por ser motivo de excitação, 

Ansiando por repetição, 

Desde que não haja hospitalização 

XPTO