Como Rosseti resgatando a dádiva de amor
verso a verso ao corrupto corpo
de Elizabeth Eleanor, o escritor
é um ladrão de túmulos. E é um morto
dormindo um sono alheio, o do livro,
que a si mesmo se sonha digerindo
sua carne e seu sangue e dirigindo
a sua mão e o seu livre arbítrio.
Quem construiu a sua casa? Quem semeou
a sua vida, quem a colherá?
Nem a sua morte lhe pertence, roubou-a
a outro e outro lha roubará.
Toma, come, leitor: este é o seu corpo,
a inabitada casa do livro,
também tu estás, como ele, morto,
e também não fazes sentido.
PINA, Manuel António, Os Livros, Lisboa, Assírio Alvim, 2003, p. 49
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