sábado, 6 de agosto de 2022

No lume no gume

Vê como a nudez cresce.


Seria fácil pousar agora

no lume

ou no gume do silêncio

se houvesse vento:

mas quem se lembra do branco

aroma da alegria?


Reconheço no vagaroso

andar da chuva o corpo do amor:

vem ferido: nas suas mãos

como dormir?

Como enxotar a morte: 

esse animal sonâmbulo dos pátios da memória?


Bago a bago podes colher

a noite: está madura:

podes levar à boca

a preguiçosa espuma

das palavras.


E crescer para a água.


 ANDRADE, Eugénio de, Véspera da água, Porto, Assírio e Alvim, 2014, p. 40.

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