terça-feira, 25 de abril de 2023

Nesta hora

Nesta hora limpa da verdade é preciso dizer a verdade toda

Mesmo aquela que é impopular neste dia em que se invoca o povo

Pois é preciso que o povo regresse do seu longo exílio

E lhe seja proposta uma verdade inteira e não meia verdade

 

Meia verdade é como habitar meio quarto

Ganhar meio salário

Como só ter direito

A metade da vida

 

O demagogo diz da verdade a metade

E o resto joga com habilidade

Porque pensa que o povo só pensa metade

Porque pensa que o povo não percebe nem sabe

 

A verdade não é uma especialidade

Para especializados clérigos letrados

 

Não basta gritar povo é preciso expor

Partir do olhar da mão e da razão

Partir da limpidez do elementar

 

Como quem parte do sol do mar do ar

Como quem parte da terra onde os homens estão

Para construir o canto do terrestre

- sob o ausente olhar silente de atenção –

 

Para construir a festa do terrestre

Na nudez de alegria que nos veste.

 

ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner, O Nome das coisas, Assírio & Alvim, 1.ª edição, 2015, pp. 55-56

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