terça-feira, 15 de novembro de 2022

Esta noite vivi

Esta noite vivi

um milhão de anos

e um milhão de vidas


Já aqui estive antes

sabes, amor?


Ora olha-me nos olhos...


Sete anos habitei o templo perdido do amor

Sete anos um deserto de palavras

Sete anos o exílio a que a escrita me condenou


Mas esta noite vivi

um milhão de anos

e no meu corpo pus um milhão de vidas

com a maquinaria da noite

rodando as suas enormes rodas dentadas

no interior da humanidade

A noite nas veias do homem é solitário

que sabe que para chegarmos a deus

precisamos de velocidade

e novos ângulos de visão


A noite nas veias do homem solitário que sabe

mas não diz

Está sempre à espera que lhe batam à porta

pois esse é o drama de viver

com tanta gente à volta


Esta noite vivi

um milhão de anos

e no meu corpo pus um milhão de vidas

com a noite nas veias

e no meu respirar

o bafo quente das estrelas.


PIMENTA, José António, Deixa entrar a noite na palavra, Coimbra, MinervaCoimbra, 2019, p. 34-35.

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