Quero falar-te deste amor, como de um vento
amordaçado na camisa; uma febre de verão
que o mercúrio não acha; um telhado esmagado
pela ideia da chuva. Quero dizer-te
que sobre ele pairaram sempre brumas e nevoeiros
e profecias de temporais maiores, como os que levam
para longe os corpos dos navios. Não há notícias
deste amor; apenas uma intriga, um recado sonâmbulo,
um temor que desmaia as pergas do vestido e um sortilégio
urdido nas paisagens suspenas de um mapa que aperto
na mão sem desdobrar. E há memórias
deste amor? A voz sem as palavras, um livro lido
às escuras, um bilhete cifrado deixado num hotel,
um velho calendário cheio de desencontros? Não,
não há memória deste amor.
PEDREIRA, Maria do Rosário, Poesia reunida, Lisboa, Quetzal, 2012, p. 90.
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