sábado, 19 de novembro de 2022

amor, como de um vento amordaçado na camisa

Quero falar-te deste amor, como de um vento

amordaçado na camisa; uma febre de verão

que o mercúrio não acha; um telhado esmagado

pela ideia da chuva. Quero dizer-te


que sobre ele pairaram sempre brumas e nevoeiros

e profecias de temporais maiores, como os que levam

para longe os corpos dos navios. Não há notícias


deste amor; apenas uma intriga, um recado sonâmbulo,

um temor que desmaia as pergas do vestido e um sortilégio

urdido nas paisagens suspenas de um mapa que aperto

na mão sem desdobrar. E há memórias


deste amor? A voz sem as palavras, um livro lido

às escuras, um bilhete cifrado deixado num hotel,

um velho calendário cheio de desencontros? Não,


não há memória deste amor.


PEDREIRA, Maria do Rosário, Poesia reunida, Lisboa, Quetzal, 2012, p. 90.

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