quarta-feira, 2 de novembro de 2022

Os mortos de Hecate

 Ao nosso lado os mortos em surdina

Bebem a exalação da nossa vida.

São a sombra seguindo os nossos gestos,

Sinto-os passar quando leves vêm

Alta noite buscar os nossos restos.

 

Passam nos quartos onde nos deixamos,

Envolvem-se nos gestos que traçamos,

Repetem as palavras que disssemos,

E debruçados sobre o nosso sono

Bebem como um leite o nosso sonho.

 

Intangívei, sem peso e sem contorno

Ressurgem no sabor vivo do sangue.

Sorriem às imagens que vivemos

E choram por nós quando não as vemos,

Porque já sabem para aonde vamos.


ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner, Obra do mar, Caminho, 5.ª edição, 2005, p. 80

 

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