sexta-feira, 31 de maio de 2024

Estupidez versus sensatez


A estupidez (...) está sempre em contraste com a sensatez (...) o homem sensato é aquele que conhece as causas dos fenómenos. O homem estúpido não as conhece.

 TABORI, Paul, História natural da estupidez, Silveira, Book Builders, 2017, p.16.




E se a morte me despisse


Andam palavras na noite
Cansadas de me chamar
Trago os meus lábios salgados
E algas no paladar.

Aberta a porta selada,
Sou pensada já não penso.
Se a musa fica calada
Como dizer o silêncio?

Inúteis os meus anéis 
Já os troquei por poemas,
Se hão-de perder-se os papéis 
Voam com as minhas penas.

Só sei que neste destino,
Vou atrás do que não sei...
E já me sinto cansada 
Dos passos que nunca dei.

Ficou entre nós o tempo
Que fica uma andorinha.
Deu-nos essa primavera
Porque deu tudo o que tinha.

Ficou a morte caída
Antes do tempo no chão 
E uma estátua dividida 
Pela linha do coração. 

Há dias em que sou monja, 
Há outros em que sou fêmea 
E,  embruxada na fogueira 
Do amor, ponho mais lenha.

Como se eu já existisse
Antes do sol e da lua
E se a morte me despisse
E eu não me sentisse nua.

Quando me derem por morta
Lágrimas nem uma pinga:
Um trevo de quatro folhas
Tenho debaixo da língua.

E nada de biografia 
Senão a da lua nova:
O que escreverem um dia
Os astros da minha cova.

 CORREIA, Natália, Antologia poética, Lisboa, D. Quixote, 2013, pp.163-165.

Festival Imaterial









 Teatro Garcia de Resende de Évora

Malabarices


 Beja romana 

Interior de submarino











 

quarta-feira, 29 de maio de 2024

Esperar, não esperar

Portimão 



Vai pelo cais fora um bulício de chegada próxima,

Começam chegando os primitivos da espera,
Já ao longe o paquete de África se avoluma e esclarece.
Vim para aqui para não esperar ninguém,
Para ver os outros esperar,
Para ser a esperança de todos os outros.



Trago um grande cansaço de ser tanta coisa.

Álvaro de Campos 
PESSOA, Fernando, Tenho medo de partir - um livro de viagens, Lisboa, Guerra e Paz, 2018, p.87

Parque da Paz







 Almada

Molhando o pézinho


 Portimão,  2023

sexta-feira, 24 de maio de 2024

Haja animação


 Beja romana

Sinais do universo???


Hoje encontrei o amor e a fortuna no Dafundo 😀

Um grão de areia

 

Praia da Cruz Quebrada 

Quem entende a areia?

Estende-me os braços, distende num sorriso

O breve chão aviso, que é canto de sereia: 

"- Estou por ti, contigo.

Retenho do teu corpo

quanto basta

porque o que alastra para lá da tua sombra,

a praia, o perifrástico mar

e o que arredonda o teu olhar (minúsculo globo cariciando o desmedido por sondar)

nenhuns passos o abastecem todo.

por mais que o afrontes

a epiderme do espaço não macularás.


Mas pela minúcia do olhar que eu te souber captar 

serás ditoso.

por isso esconde-te onde caibas

E estuda-me indulgente. 

Este grão, este projecto milimétrico de chão 

Sou eu em peso.

Em esforço. Omito

a hecatombe, a luta e os escombros

da turbada erosão.

Esqueço-me das delongas, mas a ti

não te esqueço.

Da concha à concha da tua mão 

foi uma insignificante fração no rebordo do tempo.

O mais que invento

Um ranger um queixume

entende os tal qual são: 

vícios da solidão, sufocações de ontem

Solipsismos, crispações

ciúme do teu cobiçar o frio dos horizontes."

Eu vejo-a e escuto. A respiração da areia.

Quando se suspende e oculta, esquiva e reticente,

Distingo do seu eco o húmido fermento

que abasta nestes versos.

e se então me ergo da jazente toalha que a mim me retivera

no côncavo onde me coube o corpo

e a poalha do seu ventre austero

sacudo como quem expulsa o ócio

e periférico já

regresso por perímetros deletérios

à rotação ensossa

dos dias, dos revérberos

das montras dos destroços 

e, por hipótese quimerica, descubro algures

minusculamente

entre mim e o chão 

um deserdado grão de areia

registo a discrição do recado

e lanço o à pressa do vento.

Sem remorso.


TORRADO, António, Das coisas interiores, Lisboa, Glaciar, 2022, p. 247-248.

quarta-feira, 22 de maio de 2024

Que faremos nós?


Que faremos nós, crentes na arte da vida,

Tão sós e tão dispersos pela floresta? 


TAVARES, Paulo, Os conquistadores: um sonho, Órbitas, Porto, Assírio e Alvim, 2023, p. 77.





Humanismo abolicionista de Pombal

 ... há um segundo alvará de Pombal, o de 16 de janeiro de 1773, que pôs fim, de forma gradual, à escravidão no território de Portugal,  e cujo fundamento é humanitário. Esse humanitarismo abolicionista de Pombal não caiu das nuvens. Começava a emergir, na Europa ilustrada de então,  um sentimento anti-tráfico e anti-escravidão. De l'esprit des lois, de Montesquieu, que defendia a ideia de que todos os homens nascem iguais e e que a escravidão era contra a Natureza, tinha sido publicado em 1748.


MARQUES, João Pedro, Combates pela verdade - Portugal e os escravos, Lisboa, Guerra e Paz, 2020, p. 126


Abril na rua














Beja

terça-feira, 21 de maio de 2024

Rio e foz do Eta










 Fuseta

Não me esqueças



Uma estação para o amor feroz,
O arco reluzente em torno de ténues
Fios de sombra:
Não os esqueças 
(....)
O areal tardio onde abandonámos
A língua que estiliza a fala,
Ainda sem confins ou iminências para olhos cansados.
Alguns avanços e abundantes 
Os tropeços e amparos,
Levitações que acertaram ao lado o batimento
Dos nossos corações transitórios.
E portanto - não te esqueças:
Sempre certo o sobressalto, a espantosa avaria 
Nesses pequenos órgãos
De saldar permanências.

 TAVARES, Paulo, Não me esqueçasÓrbitas, Porto, Assírio e Alvim, 2023, p. 67.