Segundo o que quer fazer crer aos outros e a si próprio, deixou o seu país porque não suportava vê-lo subjugado e humilhado. (....)
Terá a sua memória perdido no estrangeiro a influência nociva que tinha? Sim; porque aí Josef não tinha nem razões nem ocasiões de se ocupar das recordações ligadas ao país onde já não morava; tal é a lei da memória masoquista: à medida que trechos da sua vida caem no esquecimento, o homem desembaraça-se daquilo que já não gosta e sente-se mais leve, mais livre.
E sobretudo, no estrangeiro Josef apaixonou-se e o amor é exaltação do tempo presente. O seu apego ao presente expulsou as recordações, protegeu-o contra as suas intervenções; a sua memória não se tornou menos malévola, mas, descurada, posta de lado, perdeu o seu poder sobre ele.
KUNDERA, Milan, A Ignorância, Porto, Edições Asa, 2001, p. 67.
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