quarta-feira, 27 de abril de 2022

O sol O muro O mar

Praia da Rocha 

O olhar procura reunir um mundo que foi destroçado pelas fúrias.

Pequenas cidades: muros caiados e recaiados para manter intacto o alvoroço do início.

Ruas metade ao sol metade à sombra.

Janelas com as portadas azuis fechadas: violento azul sem nenhum rosto.

Lugares despovoados, labirinto deserto: ausência intensa como o arfar de um toiro.

Exterior exposto ao sol, senhor dos muros dos pátios dos terraços.

Obscuros interiores rente à claridade, secretos e atentos: silêncio vigiando o clamor no sol sobre as pedras da calçada.

Diz-se que para que um segredo não nos devore é preciso dizê-lo em voz alta no sol de um terraço ou de um pátio.

Essa é a missão do poeta: trazer para a luz e para o exterior o medo.

Muros sem nenhum rosto morados por densas ausências.

Não o homem mas os sinais do homem, a sua arte, os seus hábitos, o seu violento azul, o espesso amarelo, a veemência da cal.

(…) 


ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner, Ilhas, Assírio & Alvim, 6.ª edição, 2016, p 66

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