Praia da Rocha
O olhar procura
reunir um mundo que foi destroçado pelas fúrias.
Pequenas cidades: muros caiados e recaiados para manter intacto o alvoroço do início.
Ruas metade ao sol metade à sombra.
Janelas com as portadas azuis fechadas: violento azul sem nenhum rosto.
Lugares despovoados, labirinto deserto: ausência intensa como o arfar de um toiro.
Exterior exposto ao sol, senhor dos muros dos pátios dos terraços.
Obscuros interiores rente à claridade, secretos e atentos: silêncio vigiando o clamor no sol sobre as pedras da calçada.
Diz-se que para que um segredo não nos devore é preciso dizê-lo em voz alta no sol de um terraço ou de um pátio.
Essa é a missão do poeta: trazer para a luz e para o exterior o medo.
Muros sem nenhum rosto morados por densas ausências.
Não o homem mas os sinais do homem, a sua arte, os seus hábitos, o seu violento azul, o espesso amarelo, a veemência da cal.
(…)
ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner, Ilhas, Assírio & Alvim, 6.ª edição, 2016, p 66
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