sexta-feira, 29 de abril de 2022

Olhando para o espelho

Shenandoah foi para o quarto e começou a vestir-se para o dia que tinha pela frente. Sentiu que o estado de desprezo que o tinha dominado enquanto escutava correpondia na verdade a autodesprezo e ignorância. Achou que a sua própria vida convidava a esta mesma ironia. A impressão que foi adquirindo ao olhar para o espelho era patética, pois sentia a curiosa omnisciência adquirida ao olhar para fotografias antigas em que os rostos a fazer pose, as roupas antiquadas e o próprio momento surgiam ridículos, ignorantes e desconhecedores da qualidade de época que realmente está lá e da posterior revelação de desperdício e fracasso.

A sra. Fish  concluíra a sua história afirmando que se tratava de um facto peculiar mas seguro que alguns seres humanos pareciam ser arruinados pelas suas melhores qualidades. esa declaração chocante começou a movimentar-se na cabela de Shenandoah e transformou-e numa generalização sobre o destino de todos os seres humanos e o dele próprio.

"O que é que vai ser de mim?", perguntou a si próprio, olhando para o espelho.

"O que é que eu vou parecer aos meus filho?", perguntou a si próprio. "O que é que há que eu não vejo neste momento em mim mesmo?"

"Não me vejo a mim mesmo. Não me conheço a mim mesmo. Não consigo olhar verdadeiramente para mim mesmo":

Afastou o olhar do espelho e disse a si próprio, pensando na imagem dos Baumanns dada pela mãe: "Ninguém existe verdadeiramente no mundo real porque ninguém sabe tudo aquilo que é para os outros seres humanos, tudo aquilo que dizem nas suas costas e toda a loucura que o futuro lhe irá trazer."


SCHWARTZ, Delmore, Nos sonhos começam as responsabilidades, Lisboa, Guerra e Paz, 2020, p. 68

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