É triste que o destino de um homem seja Sísifo,
que tenhamos de carregar aos ombros
sempre a mesma pedra, que parece já
o nosso pensamento, e tropecemos
nela tantas vezes como vidas
quiséramos ter e no entanto.
É triste escalar penhascos carregados de razão
e deixá-la cair ao alcançar o cume
para depois voltar ao mesmo erro
um e outro dia, como a alma ao vício,
condenados a ser, sedentos, quem somos:
aqueles que quisemos ser e no entanto.
É triste repetirmo-nos como a mesma história,
darmos voltas à nora, dia e noite,
moendo uma maneira de ser e de olhar
que nos leva a sofrer e a fazer sofrer.
Carrego comigo a minha pedra, meu pensamento,
e lá dentro eu, esperando ser talhado,
esculpido, salvo e no entanto.
PIQUERAS, Juan Vicente, Instruções para atravessar o deserto - poemas escolhidos, Porto, Assírio & Alvim, 2019, p. 25.
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