Aqui me tens. E o texto.
Partículas. Partes sensíveis, pequenas
vísceras onde se ocultam vermes;
uma poeira doce;
depois uma ferida.
Repara bem nas frases.
Na lenta fusão das letras sob o estômago.
Feriste-me. E as sílabas de um mar
há tanto, tanto tempo desejado,
vais ouvi-las mais tarde
quando discutes Marx, ofendes os amigos
ou passeias de mão dada com os poderes do tédio.
Insisto apenas para que me descubras.
Mais ou menos absorto. Virado de costas
ou simplesmente lendo
sem fome as páginas do tempo.
Nunca pensei muito.
Aliás, repara, quando os textos explodem
e se notam no ar as mil paciências
sobre a paciência;
quando a solidão se escama
como um peixe dúbio,
tudo se torna leve, final, tenso, coeso,
e tu podes ouvir, uivando,
um cão banhado em lágrimas.
Esse sou seu. Um cão dentro do túnel.
Já de patas desfeitas. Mais frio. Ao frio.
Roubando, entre os antigos, ossos
roendo, entre os modernos, mitos.
Os poetas começam onde acaba isto.
Este penso infectado que me pões nos olhos.
Um país termina. Logo nasce um outro.
E o território és tu,
população, governo.
Amor administrativo; viva pátria
dos cínicos.
Vamos: sacode as armas quietas
da mentira.
Alarga as fronteiras
com teu riso sinistro.
Eu, mar, ligadura dobrada
sobre o sol do amor,
ardo na terra. Vou e venho.
E, além do mais, sou isto.
CARVALHO, Armando Silva, O País das minhas vísceras, Língua morta, 2021, pp. 125-126.
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