domingo, 16 de janeiro de 2022

Saudade

Alto de São Bento, Évora

Neste outono, as pedras agasalham-se no cobertor

do musgo; e o barro bebe a água; e o vento viaja rente

aos muros. Mas eu, sem ti, deito-me gelada sobre a cama

e digo palavras que queimam a boca por dentro - amor,


saudade, o teu nome e os nomes das coisas que tocaste

(e sobre as quais deixo crescer o pó, para que os dias

não se decalquem  sempre de outros dias). Fecho os olhos


depois sobre a almofada e vejo o rosto branco da casa

desenhar-se à medida da tua ausência: as janelas abrem-se

para a solidão dos becos e há um farrapo de luz sob a porta

a que ninguém virá bater. Pergunto-me onde anda a tua

sombra [P] quando aqui não estás. E tenho medo.  São estes


os solavancos de uma vida pequena - bordar uma toalha

para logo a manchar de vinho, sentir a ferida na distância

do punhal, viver à espera de uma dor que há-de chegar.


 PEDREIRA, Maria do Rosário, Poesia reunida, 2.ª edição, Lisboa, Quetzal, 2013, p. 98.

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