segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Podemos viver juntos

Já vês, pois, que podemos viver juntos,

Nos mesmos aposentos confortáveis,

Comer dos mesmos bolos e presuntos,

E rir dos miseráveis.

 

Nós podemos, nós dois, por nossa sina,

Quando o sol é mais rúbido e escarlate,

Beber na mesma chávena da China

O nosso chocolate.

 

E podemos até, noites amadas!

Dormir juntos dum modo galhofeiro,

Com as nossas cabeças repousadas

No mesmo travesseiro.

 

Posso ser teu amigo até à morte,

Sumamente amigo! Mas por lei,

Ligar a minha sorte à tua sorte,

Eu nunca poderei!

 

Eu posso amar-te como o Dante amou,

Seguir-te sempre como a luz ao raio,

Mas ir, contigo, à igreja, isso não vou,

Lá nessa é que não caio!


VERDE, Cesário, Cânticos do Realismo e outros poemas – 32 cartas, Lisboa, Círculo de Leitores, 2005, p 66.

 

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