quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Moram no teu corpo as palavras


Moram no teu corpo as palavras

mais belas, todas as que eu digo e todas

as que eu calo, as que vivem na pura

transparência do dia e as que se ocultam

sob o céu da noite, as que tu dizes

quando os olhos se fecham, as que segredas

num intervalo de conversa, as que se abrem

como a rosa, quando ao amor a desperta,

a as que ficam húmidas como a madrugada

em que uma promessa nasce.

 

Dispo o teu corpo dessas palavras, e

arrumo-as nas gavetas  límpidas da memória,

na boca em que um beijo se guarda, nas mãos

que procuram outras mãos, nos ombros nus,

na suavidade de um adeus, nos cabelos que correm

pelas costas como onda na vertigem

da praia, nos braços desenhados na simetria

de um abraço, no rosto que se abandona

numa entrega ao desejo que o procura, nos dedos

soltos à lentidão da língua que os saboreia.

 

E soletro as palavras mais belas que moram

no teu corpo, contando em cada sílaba os dias

que faltam para te ver.


 JÚDICE, Nuno, Regresso a um cenário campestre, Lisboa, D. Quixote, 2020, p- 63

Sem comentários: