sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

Cesário Verde

 Quis dizer o mais claro e o mais corrente

Em fala chã e em lúcida esquadria

Ser e dizer na justa luz do dia

Falar claro falar limpo falar rente

 

Porém nas roucas ruas da cidade

A nítida pupila se alucina

Cães se miram no vidro da retina

E ele vai naufragando como um barco

 

Amou vinhas e searas e campinas

Horizontes honestos e lavados

Mas bebeu a cidade a longos tragos

Deambulou por praças por esquinas

 

Fugiu da peste e da melancolia

Livre se quis e não servo dos fados

Diurno se quis – porém a luzidia

Noite assombrou os olhos dilatados

 

Reflectindo o tremor da luz nas margens

Entre ruelas vê-se ao fundo o rio

Ele o viu com seus olhos de navio

Atentos à surpresa das imagens.

 

ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner, Ilhas, Assírio & Alvim, 6.ª edição, 2016, p. 88.

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