sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Se me tivesses tocado...

Dei-te o meu corpo como quem estende

um mapa antes da viagem, para que nele

descobrisse ilhas e paraísos e aí pousasses

os dedos devagar, como fazem as aves

quando encontram o verão. Se me tivesses


tocado, ter-me-ia desmanchado nos teus braços

como uma escarpa pronta a desabar, ou

uma cidade do litoral a definhar nas ondas.


Mas, afinal, foste tu que desenhaste mapas

nas minhas mãos - tristes geografias,

labirintos de razões improváveis, tão curtas

linhas que a minha vida não teve tempo

senão para presentir-se. Por isso, guardo


dos teus gestos apenas conjecturas, sombras,

muros e regressos - nem sequer feridas

ou ruínas. E, ainda assim, sem eu saber porquê,

as ondas ameaçam o lago dos meus olhos.


PEDREIRA, Maria do Rosário, Poesia reunida, Lisboa, Quetzal, 2012, p.105.

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