segunda-feira, 14 de março de 2022

A montra do sangue

Esvoaças junto à pele em pedaços falsificados.

Turvas a outra face das palavras

As interditas e ditas sílaba a sílaba

No teu âmago sombrio

E solitário.


Expulsas a oratória lírica,

A água metafísica das veias do meu corpo.

Exibes sem pudor um pulsar

Clandestino

E fazes de mim, prosaicamente,

Um talho.


Mas as manchas de sangue que espalhas

Sobre os versos não atarem clientes.

Não enaltecem o corpo

Exposto

Num gancho ferrugento

Pingando uma história banal de lantejoulas

E circo.


A luxúria, a pelúcia da carne,

O seu destino repartido em esparsos romances

De cordel

Completam os teus voos de ave

Triste e migratória.

És um músculo a mais na delicada harmonia

Do desejo.


Resoa o eco do teu choro

A um canto da rua escura e sem nome

A que me reduziste.

O som submerso na espessa arquitectura

Do poema

Bate no meu peito

Mas ninguém dirá que tenho

Coração.


CARVALHO, Armando Silva, O País das minhas vísceras, s.l., Língua Morta, 2021, pp. 329-330

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