Meu amor é marinheiro
quando suas mãos me despem
é como se o vento abrisse
as janelas do meu corpo.
Quando seus dedos me tocam
e como se no meu sangue
nadassem todos os peixes
que andam no mar salgado.
Meu amor é marinheiro.
Quando chega à minha beira
acende um cravo na boca
e canta desta maneira:
- Eu sou livre como as aves
e passo a vida a cantar
coração que nasceu livre
não se pode acorrentar.
Trago um navio nas veias
eu nasci pra marinheiro
quem quiser pôr-me cadeias
há-de matar-me primeio.
Meu amor é marinheiro
e mora no alto-mar
seus braços são como o vento
ninguém os pode amarrar.
Quando chega à minha beira
todo o meu sangue é um rio
onde o meu amor aporta
seu coração - um navio.
Meu amor disse que eu tinha
uns olhos como gaivotas
e uma boca onde começa
o mar de todas as rotas.
Meu amor falou-me assim:
- Ó minha pátria morena
meu país de sal e trevo
meu cravo minha açucena
vale mais ser livre um dia
lá nas ondas do mar bravo
do que viver toda a vida
pobre triste preso escravo.
Eu vivo lá longe
onde passam os navios
mas um dia hei-de voltar
às águas dos nossos rios.
Hei-de passar nas cidades
como o vento nas rias
e abrir todas as janelas
e abrir todas as cadeias
hei-de passar a cantar
pelas ruas da cidade
erguendo na mão direita
a espada da liberdade.
Ó minha pátria morena
meu país de trevo e sal
sou marinheiro e não esqueço
que nasci em Portugal.
Assim falou meu amor
assim falou ele um dia
desde então eu vivo à espera
que volte como dizia.
Eu creio no meu amor
meu amor é marinheiro
quem quiser pôr-lhe cadeias
há-de matá-lo primeiro.
Sei que um dia ele virá
assim muito de repente
como se o mar e o vento
nascessem dentro da gente
como se um navio entrasse
de repente na cidade
trazendo a voar nos mastros
bandeiras de liberdade.
Meu amor é marinheiro
e mora no alto-mar
coração que nasceu livre
não se pode acorrentar.
ALEGRE, Manuel, Praça da Canção, Lisboa, 5.ª edição, D, Quixote, 2015, pp. 97-100.
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