sexta-feira, 25 de março de 2022

Infelicidade

Atribuo toda esta infelicidade à cegueira com  que deixei afeiçoar-me a vós. Não deveria eu prever que mais cedo acabariam os meus prazeres que o meu amor? Podia eu esperar que fícaríeis toda a vida em Portugal e renunciaríeis à vossa fortuna e ao vosso País para pensardes apenas em mim?

As minhas dores nenhum alívio podem ter, e a lembrança dos meus prazeres enche-me de desespero. Serão então inúteis todos os meus desejos, e será que não mais vos verei no meu quarto com todo o ardor e arrebatamento que me demonstráveis? Mas, ai de mim, iludo-me a mim mesma, e muito bem sei que todas as emoções que me ocupavam a cabeça e o coração eram em vós excitadas apenas por alguns prazeres, e chegavam ao fim tão cedo como eles! Nesses momentos de exaltada felicidade  deveria ter chamado a razão em meu auxílio,  para que moderasse o excesso funesto das minhas  delícias e me anunciasse tudo o que sofro presentemente. Mas eu toda me dava a vós, e não estava em estado de pensar no que poderia envenenar-me a alegria e impedir-me de gozar plenamente as ardentes demonstrações da vossa Paixão. Tão agradada estava de me ver convosco, que não podia pensar que viríeis um dia a estar longe de mim.


Cartas portuguesas de Mariana Alcoforado, Lisboa,Terreiro do Paço Editores, 2013, pp. 38-39.

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