sexta-feira, 25 de março de 2022

Palmeiras


Estremoz

Nascemos da sede. Somos palmeiras

que vão crescendo à força de perder

as suas folhas. E os seus troncos são feridas,

cicatrizes que o vento e a luz curam.

Quando o tempo, o que faz e o que passa,

ocupa o coração e o torna ninho

de perda, erige

nele o seu templo, a sua áspera coluna.

 

Por isso as palmeiras são alegres

como os que souberam sofrer em solidão

e se agitam no ar, varrem as nuvens

e entregam nas suas copas

cânticos à luz, fontes de fogo,

leques a Deus, adeus a tudo.

Estremecem como testemunhas de um milagre

que só elas conhecem.

 

Somos como a sede das palmeiras,

e cada ferida aberta para  luz

nos vai tornando mais altos, mais alegres.

Os nossos troncos são perdas. Trono

é a nossa dor. É mau

sofre mas é preciso ter sofrido

para sentir, aninhado no sangue,

o assombro dos sobreviventes

ao ar agradecidos e explodir

de júbilo no meio do deserto.

 

PIQUERAS, Juan Vicente, Instruções para atravessar o deserto - poemas escolhidos, Porto, Assírio & Alvim, 2019, pp. 49-51.

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