Nascemos da sede. Somos palmeiras
que vão crescendo à força de perder
as suas folhas. E os seus troncos são feridas,
cicatrizes que o vento e a luz curam.
Quando o tempo, o que faz e o que passa,
ocupa o coração e o torna ninho
de perda, erige
nele o seu templo, a sua áspera coluna.
Por isso as palmeiras são alegres
como os que souberam sofrer em solidão
e se agitam no ar, varrem as nuvens
e entregam nas suas copas
cânticos à luz, fontes de fogo,
leques a Deus, adeus a tudo.
Estremecem como testemunhas de um milagre
que só elas conhecem.
Somos como a sede das palmeiras,
e cada ferida aberta para luz
nos vai tornando mais altos, mais alegres.
Os nossos troncos são perdas. Trono
é a nossa dor. É mau
sofre mas é preciso ter sofrido
para sentir, aninhado no sangue,
o assombro dos sobreviventes
ao ar agradecidos e explodir
de júbilo no meio do deserto.
PIQUERAS, Juan Vicente, Instruções para
atravessar o deserto - poemas escolhidos, Porto, Assírio & Alvim, 2019, pp. 49-51.
Sem comentários:
Enviar um comentário